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    Ucrânia e Rússia disputam santo padroeiro em 'guerra de estátuas'

    NEIL MacFARQUHAR
    DO "NEW YORK TIMES"
    EM MOSCOU

    06/06/2015 02h00

    Não é como se faltassem estátuas colossais na capital russa.

    Nada diz tão bem "União Soviética" quanto a imponente obra "Trabalhador e Garota de Fazenda Coletiva", com seu martelo, sua foice, os passos decididos e físicos idealizados. Ou a estátua de Lênin pairando sobre Moscou, embora hoje ela esteja virada para um Burger King.

    Yuri Kochetkov/European Pressphoto Agency
    Estátua de São Vladimir, feita pelo artista russo Salavat Scherbakov, terá 25 metros
    Estátua de São Vladimir, feita pelo artista russo Salavat Scherbakov, terá 25 metros

    A única coisa que a cidade não tem é um monumento espetacular a uma figura religiosa, mas a Igreja Ortodoxa Russa e o ministro da Cultura, Vladimir Medinsky, estão dispostos a mudar isso.

    Eles defendem um projeto que vai modificar a paisagem urbana ao erguer uma estátua de 25 metros de são Vladimir, o santo padroeiro da Rússia, sobre um dos poucos morros de Moscou.

    Dezenas de milhares de moscovitas assinaram uma petição contra a estátua, que deverá comemorar o milésimo aniversário da morte de são Vladimir.

    O que todo mundo sabe é que Kiev, capital da Ucrânia, já tem um monumento de 162 anos e 18 metros de altura ao santo e que o atual conflito entre os dois países inspirou Moscou a empreender uma disputa de estátuas.

    Além de uma luta sangrenta pelo controle do território, o conflito entre Rússia e Ucrânia abrange uma feroz rixa sobre quem pode reivindicar a descendência de são Vladimir, também conhecido como Vladimir, o Grande, um príncipe guerreiro que criou tanto a Igreja Ortodoxa Russa como o protótipo do Estado russo moderno.

    A saga da fundação afirma que Vladimir, o Grande, grão-príncipe de Kievan Rus, o primeiro Estado eslávico oriental, obrigou seu povo a se converter ao cristianismo em 988, realizando batismos coletivos no rio Dniéper, em Kiev.

    Recentemente, o Kremlin fez um esforço conjunto para envolver a Rússia com o manto histórico de são Vladimir, para solidificar sua reivindicação à Crimeia e minar a legitimidade da Ucrânia como Estado.

    Em dezembro, o presidente russo, Vladimir Putin, surpreendeu os historiadores ao declarar repentinamente a Crimeia solo sagrado, a verdadeira nascente da Rússia e de sua fé.

    "A península é de importância estratégica para a Rússia como fonte espiritual do desenvolvimento de uma nação multifacetada, mas sólida, e de um Estado russo centralizado", disse Putin.

    O presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, reagiu emitindo uma ordem executiva para a Ucrânia comemorar Volodymyr, como o santo é conhecido no país, como fundador do Estado medieval "Rus-Ucrânia".

    O governo russo pretende gastar cerca de US$ 20 milhões neste ano para celebrar são Vladimir, incluindo a construção da estátua, segundo uma reportagem no jornal econômico "RBC".

    O historiador Nikolay Svanidze, membro do Conselho de Direitos Humanos do Kremlin, disse que as comemorações devem traçar um paralelo entre os dois Vladimires. "O príncipe Vladimir foi batizado na Crimeia, enquanto Putin 'devolveu' a Crimeia à Rússia", afirmou Svanidze, conforme citado pelo "RBC".

    "Moscou dará esse passo em direção à restauração da memória histórica", disse Vladimir Legoyda, chefe do departamento de informação do Sínodo Sagrado da Igreja Ortodoxa Russa.

    "A igreja russa está convencida de que a identidade cristã das capitais europeias foi uma conquista", escreveu ele em um e-mail.

    Adversários da estátua de são Vladimir dizem que ela vai prejudicar uma ampla vista da capital a partir de um promontório chamado monte dos Pardais. A área já é conhecida pelo arranha-céu gótico-stalinista da Universidade Estatal de Moscou.

    "É uma das vistas mais lindas de Moscou", disse a historiadora da arte Natalya Simyonova, que assinou a petição contra a estátua. "Por que destruí-la?"

    Valentin Lebedev, presidente de uma organização chamada União de Cidadãos Ortodoxos, disse que é especialmente importante construir a estátua, "diante da situação política moderna".

    "Este é o ano de luta por nosso legado", acrescentou ele, "a luta contra aqueles que querem nos fazer abandonar essa herança e pôr a Rússia de joelhos."

    Salavat Scherbakov, que ganhou um concurso para desenhar a escultura de são Vladimir, descreveu a questão como algo que atinge o centro da alma russa.

    "Esse é um grande problema histórico para nós", disse ele. "A Ucrânia, Kiev e, neste caso, a Crimeia não são como uma partida de hóquei que perdemos de repente. É uma disputa mortal dentro de uma família muito antiga."

    Salvo mudanças imprevistas, disse ele, é possível que a inauguração da estátua ocorra em novembro deste ano.

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