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    análise

    Eleição na Turquia pode consolidar 'conversão' do governo

    MONIQUE SOCHACZEWSKI
    ARIEL GONZÁLEZ LEVAGGI
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    06/06/2015 02h00

    Noventa e dois anos após surgir dos escombros do Império Otomano, a Turquia passará domingo (7) por uma das eleições parlamentares mais cruciais de sua história.

    Caso o AK, partido do presidente Recep Tayyp Erdogan, consiga 2/3 (por maioria qualificada) ou 3/5 (para aprovar reforma e enviá-la a referendo) do Parlamento, poderá alterar a forma de governo para presidencialismo.

    Seus oponentes são o CH (Republicano), o MH (Nacionalista) e o HD (Pró-curdo e minorias). Este último é a maior novidade, defendendo políticas liberais e inclusivas. Pelas regras locais, precisa ganhar 10% dos votos para ter representatividade.

    A principal divisão política e social na Turquia é entre conservadores islâmicos e seculares. Em 2002, a ascensão do AK foi vista como transformação democrática, com os membros do partido se apresentando como "conservadores democráticos" de centro-direita, mais que islamistas.

    Refutavam acusações de terem uma "agenda oculta de islamização" e fizeram importantes reformas, seja esvaziando o papel político dos militares, investindo em infraestrutura e implementando projetos de inclusão social. Atuaram firmemente em negociações pela entrada da Turquia na União Europeia e começaram um processo de paz com os curdos.

    Os dois primeiros mandatos do AK, com Erdogan como premiê, se deram sem maiores incidentes. Já no terceiro mandato, em 2013, ocorreram as Revoltas do Parque Gezi, em que se escancarou a crescente polarização do país e que teve a dita "islamização" como tema importante.

    Naquela ocasião, pesaram o recrudescimento das leis sobre o consumo de álcool, bem como projetos crescentes de reconsagração em mesquitas de ex-igrejas bizantinas tornadas mesquitas e depois museus, como as Aya Sofyas de Trabzon e Iznik.

    No momento há forte campanha para que a mais famosa Aya Sofya, de Istambul, siga o mesmo caminho. Se estas foram ações mais simbólicas, há de concreto a construção de mais de 15 mil mesquitas, a remoção da proibição do porte do véu em universidades e repartições públicas e a expansão de escolas religiosas Imam-Hatip.

    No começo de seu governo, o foco do AK era fazer a Turquia ser aceita na UE, reforçando suas credenciais seculares e democráticas. Na campanha atual, a ênfase é em liderar o mundo islâmico, como um "último bastião da resistência muçulmana".

    O papel do islã tem sido acompanhado também pelo reconhecimento do passado imperial otomano. O governo empenha-se em restaurar prédios e criar museus relacionados ao tema e em resgatar rituais e símbolos, como os famosos guardas do novo palácio presidencial.

    Perto do centenário, a Turquia ainda luta por sua alma.

    MONIQUE SOCHACZEWSKI GOLDFELD é professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Eceme (Rio); ARIEL GONZÁLEZ LEVAGGI é pesquisador na Universidade Koç (Istambul)

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