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    Rússia tenta semear divisões na Europa para se livrar de sanções

    PETER BAKER
    STEVEN ERLANGER
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    08/06/2015 12h53

    A guerra na Ucrânia, que opôs a Rússia ao Ocidente, está sendo travada não apenas com tanques, artilharia e tropas. Para autoridades americanas e europeias, Moscou vem fazendo uso crescente de armas de outro tipo: dinheiro, ideologia e desinformação.

    Ao mesmo tempo em que procuram reagir contra a intervenção militar russa na Ucrânia, a administração Obama e seus aliados europeus enfrentam em casa o que consideram ser um esforço coordenado de Moscou para alavancar seu poder econômico, financiar partidos e movimentos políticos europeus e disseminar relatos alternativos sobre o conflito.

    A meta do Kremlin parece ser semear a divisão, desestabilizar a União Europeia e possivelmente romper o consenso frágil, embora relativamente unificado, contra a agressão russa.

    Michael Kappeler/AFP
    Chanceler alemã, Angela Merkel, conversa com presidente dos EUA, Barack Obama, durante G7
    Chanceler alemã, Angela Merkel, conversa com presidente dos EUA, Barack Obama, durante G7

    No mínimo, se a Rússia conseguir fazer um único membro da UE abandonar a posição da maioria, ela pode teoricamente impedir que sejam renovadas as sanções econômicas, previstas para acabar este mês se não houver acordo unânime entre todos os membros.

    O presidente Barack Obama chegou à Alemanha no domingo (7) para uma cúpula do G7 com o objetivo de incentivar os aliados europeus a continuar firmes contra a Rússia, especialmente agora que a violência está voltando a crescer no leste da Ucrânia, a despeito do cessar-fogo tênue.

    Nos dias que antecederam sua viagem, representantes dos EUA e Europa expressaram publicamente preocupações com os esforços discretos —mas às vezes mais declarados— do presidente russo, Vladimir Putin, para conquistar aliados no Ocidente.

    "Na tentativa de abalar o consenso europeu, o Kremlin se esforça para comprar e cooptar forças políticas europeias, financiando partidos antissistêmicos de direita e de esquerda em toda a Europa", falou o vice-presidente americano, Joe Biden, em discurso do mês passado no Brookings Institution, em Washington.

    "Putin vê essas forças políticas como ferramentas úteis a serem manipuladas para gerar rachaduras no organismo político europeu que ele poderá explorar."

    A conclusão de Biden é compartilhada pelo governo britânico.

    "Com relação ao dinheiro russo, sim, é claro que nos preocupa a evidente estratégia do Kremlin de tentar influenciar os 'irmãos', digamos assim, menos engajados ou mais vulneráveis, neste período que antecede a decisão de junho", disse o ministro do Exterior britânico, Philip Hammond, na semana passada.

    "O Kremlin sabe que este é um processo que requer unanimidade. Ele só precisa de uma voz discordante."

    Ainda não se sabe se a estratégia terá resultado.

    Autoridades dos EUA e diplomatas europeus disseram confiar por enquanto que as sanções serão renovadas na cúpula da UE que terá lugar em Bruxelas em 25 e 26 de junho.

    A Alemanha, o membro mais dominante do grupo, defende a extensão das sanções até janeiro, e países menores podem hesitar em desafiar Berlim.

    Mas não há disposição de adotar sanções adicionais, como gostariam alguns representantes dos Estados Unidos.

    Desde muito tempo antes da crise na Ucrânia, o dinheiro sempre foi um meio empregado por Putin para tentar moldar os acontecimentos no Ocidente.

    Quando o chanceler Gerhard Schroeder deixou o governo da Alemanha, recebeu um cargo destacado na Gazprom, a estatal energética gigante russa.

    Quando o presidente George W. Bush estava no poder, Putin perguntou "se o ajudaria" se Donald L. Evans, amigo pessoal de Bush e seu ex-secretário do Comércio, recebesse um emprego bem pago para uma grande empresa russa (Bush rejeitou a oferta).

    A Rússia parece estar conseguindo algum apoio recentemente em países como Grécia, Hungria, República Tcheca e até Itália e França.

    Não apenas ela está se alinhando aos esquerdistas tradicionalmente filiados a Moscou desde a Guerra Fria, como está fazendo causa comum com forças de extrema direita que se rebelam contra a ascensão da UE e veem com bons olhos as críticas de Putin ao que ele diz ser o declínio moral do Ocidente.

    O exemplo mais destacado é o da Frente Nacional francesa, que, sob a direção de Marine Le Pen, confirmou ter recebido um empréstimo de US$ 11,7 milhões do First Czech-Russian Bank, de Moscou, que tem vínculos com o Kremlin.

    Le Pen negou que o dinheiro seja apenas a primeira parcela de um total de US$ 50 milhões que seu partido supostamente receberá para ajudá-lo a preparar-se para a eleição presidencial de 2017.

    O Partido da Liberdade austríaco, de extrema direita, negou a acusação de dependência do Kremlin feita por seu rival de esquerda Partido Democrático Social depois de seu líder, Heinz-Christian Strache, ter postado fotos dele próprio e de outras lideranças partidárias em uma conferência em Moscou que lançou um chamado pelo fim das sanções contra a Rússia.

    Mykhaylo Markiv/AFP
    Presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, aplaude soldado ferido durante cerimônia em Kiev
    Presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, aplaude soldado ferido durante cerimônia em Kiev

    Em comunicado, Strache disse: "Estamos convencidos de nossa neutralidade e não recebemos créditos ou doações financeiras" da Rússia.

    Ao lado de membros de alguns partidos de extrema esquerda, como o Die Linke alemão e o KKE grego, partidos de extrema direita vistos como sendo alinhados com Moscou votam contra resoluções do Parlamento Europeu contendo críticas à Rússia e enviam observadores a referendos e eleições em regiões da Ucrânia dominadas por separatistas, como a Crimeia e Donetsk.

    O Political Capital Institute, uma organização de pesquisas de Budapeste que foi a primeira a documentar o interesse russo por partidos de extrema direita da Europa do leste, em 2009, informou em março que o interesse de Moscou agora se estendeu também aos países da Europa Ocidental.

    A entidade compilou uma lista de 15 partidos europeus de extrema direita vistos como estando "engajados" com a Rússia.

    O relatório do instituto disse que esses novos vínculos "não são necessariamente de ordem financeira, como se supõe de costume", mas que podem envolver assistência profissional e organizacional.

    De uma maneira ou de outra, diz o texto, "a influência russa sobre os assuntos da extrema direita é um fenômeno visto em toda a Europa e constitui um risco crucial para a integração euro-atlântica".

    Tradução de Clara Allain

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