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    Famosos por matar Bin Laden, Seals se tornam máquina de caçada humana

    MARK MAZZETTI
    NICHOLAS KULISH
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    08/06/2015 13h21

    Eles tramaram missões mortíferas de bases secretas no interior da Somália. No Afeganistão, entraram em combate tão cerrado com adversários que emergiram cobertos de sangue alheio.

    Em ataques clandestinos na calada da noite, suas armas preferenciais variam de carabinas personalizadas a machadinhas de guerra indígenas.

    Em todo o mundo, eles operaram estações de espionagem disfarçadas de barcos comerciais, posaram como funcionários de companhias de fachada e operaram clandestinamente em embaixadas, em duplas formadas por um homem e uma mulher, rastreando as pessoas que os EUA desejam executar ou capturar.

    Essas operações são parte da história oculta do Seal Team 6 da marinha norte-americana, uma das organizações mais mitificadas, mais secretas e menos fiscalizadas das Forças Armadas do país.

    No passado um pequeno grupo reservado a missões especializadas mas raras, a unidade, conhecida como responsável pela morte de Osama bin Laden, se transformou em uma máquina mundial de caçada humana, depois de uma década de combate.

    Esse papel reflete a nova maneira de fazer guerra que os EUA adotaram, na qual o que distingue um conflito não são vitórias e derrotas nos campos de batalha, mas a matança incansável de suspeitos de terrorismo.

    Quase tudo sobre o Seal Team 6, uma unidade sigilosa de Operações Especiais, fica envolto em segredo —o Pentágono nem mesmo reconhece o nome da organização—, ainda que algumas de suas missões tenham emergido em relatos, quase todos positivos, nos últimos anos.

    Mas um exame da evolução do Seal Team 6, com base em dezenas de entrevistas com antigos e atuais membros e revisão de documentos do governo, revela uma história muito mais complexa e provocativa.

    Enquanto combatia cansativas guerras de atrito no Iraque e Afeganistão, o Seal Team 6 também executava missões em outras áreas que ignoram a distinção tradicional entre soldado e espião.

    A unidade de atiradores de elite do grupo foi reconfigurada a fim de executar operações clandestinas de inteligência, e integrantes dos Seals se uniram a agentes da Agência Central de Inteligência (CIA) em uma iniciativa conhecida como Programa Omega, que oferecia mais liberdade na caça a adversários.

    O Seal Team 6 executou com sucesso milhares de perigosas operações que líderes das Forças Armadas dizem ter enfraquecido redes de militantes, mas suas atividades também estimularam uma preocupação recorrente quanto ao número excessivo de mortes e de vítimas civis.

    Quando surgiram suspeitas de delitos de conduta, a fiscalização externa sobre a unidade se provou limitada.

    O Comando Unificado de Operações Especiais (JSOC), que comanda as missões do Seal Team 6, conduziu inquéritos sobre mais de meia dúzia de episódios, mas em raros casos os encaminhou aos investigadores da Marinha.

    "O JSOC investiga o JSOC, e isso é parte do problema", disse um ex-comandante militar de primeira escalão com experiência em operações especiais, que, como muitos dos entrevistados para este artigo, falou sob a condição de que seu nome não fosse revelado porque as atividades do Seal Team 6 são sigilosas.

    Muito dinheiro entrou na organização de 2001 para cá, permitindo que ela expandisse significativamente seus efetivos, atingindo 300 marinheiros de choque, chamados "operadores", e mais 1,5 mil pessoal de apoio, a fim de atender a novas demandas.

    Mas alguns membros da unidade questionam se o ritmo incansável de operações não teria erodido a cultura de elite da unidade e desgastado o pessoal em missões de pouca importância.

    The New York Times
    Área reservada de área de treinamento dos Seals Team 6
    Área reservada de área de treinamento dos Seals Team 6

    O grupo foi enviado ao Afeganistão para caçar líderes da Al Qaeda, mas em lugar disso passou anos em combate próximo contra integrantes de baixo e médio escalão do Taleban e outros grupos de adversários.

    Os membros da unidade, disse um antigo integrante, "se tornaram coringas em campo —coringas armados".

    O custo foi alto. Mais membros da unidade morreram nos últimos 14 anos do que em toda a sua história anterior. Ataques repetidos, saltos de paraquedas, escaladas difíceis e explosões causaram sérios danos, físicos e mentais, a muitos dos integrantes.

    "Guerra não é aquela coisa bonitinha que os EUA parecem acreditar que seja", disse Britt Slabinski, marinheiro que integrou o Seal Team 6 e combateu no Iraque e no Afeganistão.

    "É uma coisa emocional, um ser humano matando outro ser humano, por períodos de tempo prolongados. Ela expõe o que existe de pior em você, mas também revela o que existe de melhor."

    Os Seals da Marinha —uma sigla que significa "Sea, Air, Land forces" [forças marinhas, aéreas e terrestres]— evoluíram das famosas unidades de mergulhadores de combate formadas na Segunda Guerra Mundial.

    O Seal Team 6 surgiu décadas depois, do fracasso de uma missão realizada em 1980 para tentar resgatar 53 reféns norte-americanos capturados quando da tomada da Embaixada dos EUA em Teerã.

    Mau planejamento e mau tempo forçaram os comandantes a abandonar a missão, e oito militares morreram em uma colisão entre duas aeronaves no deserto iraniano.

    A Marinha então solicitou que o comandante Richard Marcinko, um dinâmico veterano da guerra do Vietnã, criasse uma unidade Seal para responder rapidamente a crises de terrorismo.

    O nome mesmo era um esforço de desinformação característico da Guerra Fria. Só havia duas equipes Seal naquele momento, mas Marcinko decidiu dar o número 6 à unidade na esperança de que os soviéticos superestimassem o tamanho da força.

    LIBERDADE PARA MATAR

    Os membros do Seal Team 6 muitas vezes operam sob o olhar vigilante de seus comandantes —oficiais em centros de operações internacionais e em Dam Neck, o quartel-general da unidade, têm acesso rotineiro a imagens ao vivo de ataques, registradas por drones (aeronaves de pilotagem remota) voando sobre a área—, mas também recebem grande liberdade.

    Embora as unidades das Forças Especiais operassem no Afeganistão sob as mesmas normas de engajamento que se aplicavam às demais unidades militares, os membros do Seal Team 6 rotineiramente executavam suas missões à noite, tomando decisões de vida ou morte em salas escuras, com poucas testemunhas e distantes das câmeras.

    Os operadores usavam armas com silenciadores para matar inimigos discretamente durante o sono, uma ação que defendiam como o equivalente a bombardear um quartel do oponente.

    E suas decisões tendiam a ser inequívocas. Afirmando que eles atiram para matar, um antigo oficial subalterno da unidade acrescentou que os operadores fazem "disparos de segurança" contra inimigos caídos, a fim de garantir que estejam mortos.

    (Em uma missão em 2011 contra um iate sequestrado ao largo da costa da África, um membro do Seal Team 6 atacou um pirata com uma faca e lhe causou 91 ferimentos, de acordo com um legista, depois que o pirata e seus colegas mataram quatro reféns norte-americanos. Os operadores são treinados para "romper e perfurar todas as artérias importantes", disse um antigo integrante dos Seal.)

    O oficial subalterno diz que as regras se resumiam a: "Se, em sua avaliação, você estiver sob ameaça, então em uma fração de segundo vai matar alguém".

    Ele relatou como um atirador de elite dos Seal matou três pessoas desarmadas, entre as quais uma menina pequena, em episódios separados no Afeganistão, e disse aos superiores que sentia que aquelas pessoas representavam ameaça.

    Legalmente, essa determinação era suficiente. "Mas não funciona assim no Team 6", disse o oficial subalterno. "Você tem de estar de fato sob ameaça". Ele acrescentou que o atirador de elite foi excluído da unidade.

    The New York Times
    Túmulo com restos mortais de integrantes dos Seals no Cemitério Nacional de Arlington, Virgínia
    Túmulo com restos mortais de integrantes dos Seals no Cemitério Nacional de Arlington, Virgínia

    FORÇA MUNDIAL DE ESPIONAGEM

    De uma série de bases de combate ao longo da fronteira do Afeganistão, o Seal Team 6 enviava regularmente cidadãos locais às áreas tribais do Paquistão a fim de recolher informações.

    A equipe transformou os grandes e coloridos caminhões característicos da região, conhecidos como "jingle trucks", em estações móveis de espionagem, com equipamento sofisticado de escuta oculta nas caçambas e usando motoristas pashtun para dirigi-los ao lado oposto da fronteira.

    Além das montanhas do Paquistão, a unidade também se aventurava no deserto do sudoeste do país, o que inclui a volátil região do Baluchistão.

    Além do Afeganistão e Paquistão, membros do "Black Squadron" do Seal Team 6 se dispersavam pelo mundo em missões de espionagem.

    Originalmente, o Black Squadron era a subunidade de atiradores de elite do Seal Team 6, mas depois dos ataques do 11 de setembro, sua missão mudou para a condução de "operações de força avançada", o que em jargão militar significa coleta de informações e outras atividades clandestinas para preparar missões de Operações Especiais.

    O conceito era especialmente popular no Pentágono sob o então secretário da Defesa Donald Rumsfeld.

    Pela metade da década passada, o general Stanley McChrystal, comandante das forças de operações especiais norte-americanas, havia destacado o Seal Team 6 para um papel expandido em missões mundiais de coleta de informações, e operadores do Black Squadron foram deslocados para embaixadas norte-americanas, da África subsaariana à América Latina, passando pelo Oriente Médio.

    O Seal Team 6 usava o correio diplomático, os embarques regulares de documentos e outros materiais sigilosos para postos diplomáticos norte-americanos em todo o mundo, a fim de levar armas a operadores do Black Squadron estacionados no exterior, diz um antigo integrante da unidade.

    No Afeganistão, os operadores do Black Squadron usavam trajes tribais e se infiltravam em aldeias para plantar câmeras e escutas, e entrevistar moradores nos dias e semanas que antecediam uma missão noturna, de acordo com diversos antigos integrantes do Seal Team 6.

    A unidade estabeleceu companhias de fachada a fim de oferecer cobertura a operadores do Black Squadron no Oriente Médio, e opera estações flutuantes de espionagem disfarçadas em barcos comerciais, ao largo das costas da Somália e Iêmen.

    Membros do Black Squadron, trabalhando da embaixada norte-americana em Sanaa, a capital do Iêmen, desempenharam papel central na caça a Anwar al-Awlaki, o líder religioso radical e cidadão norte-americano que havia aderido à Al Qaeda na Península Arábica. Ele foi morto em 2011 por um drone da CIA.

    Um antigo integrante do Black Squadron disse que, na Somália e Iêmen, os operadores não tinham licença para apertar o gatilho a menos que tivessem alvos de alta prioridade na mira.

    "Fora do Iraque e Afeganistão, não estávamos lançando redes", disse o antigo integrante. "Era completamente diferente."

    O Black Squadron conta com um elemento que outras subunidades não têm: operadoras. Mulheres da Marinha foram admitidas ao Black Squadron e enviadas ao exterior para recolher informações, usualmente trabalhando em embaixadas com colegas homens.

    Um antigo integrante disse que os membros masculinos e femininos do Black Squadron muitas vezes operavam em dupla. É uma técnica chamada de "atenuação de perfil", que torna um casal menos suspeito diante de serviços de inteligência estrangeiros ou grupos militantes.

    O Black Squadron agora tem mais de 100 membros, e seu crescimento coincidiu com a expansão da percepção de ameaças em todo o mundo.

    Também é um reflexo de uma mudança da parte das autoridades mais altas dos EUA.

    Depois do fiasco de 1993 na capital da Somália, líderes do governo ficaram ansiosos quanto ao uso de integrantes das forças especiais em zonas de conflito, mas hoje estão mais dispostos a enviar unidades como o Seal Team 6 a essas áreas, quer admitam o fato, quer não.

    "Quando eu era parte da unidade, estávamos sempre correndo atrás de uma guerra", diz Ryan Zinke, que foi integrante do Seal Team 6 e hoje é deputado federal republicano pelo Estado de Montana. "E foram esses caras que as encontraram."

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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