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    Juiz ordena soltura de Pantera Negra preso em solitária há 43 anos nos EUA

    GIULIANA VALLONE
    DE NOVA YORK

    09/06/2015 09h44 - Atualizado às 13h45

    Depois de 43 anos confinado numa cela de 2 metros X 3 metros em uma prisão no Estado americano da Lousiana, Albert Woodfox, 68, pode ser finalmente solto nesta semana.

    Um juiz federal ordenou nesta segunda-feira (8) que Woodfox, membro dos Panteras Negras, grupo radical de defesa dos negros americanos, seja libertado. Além disso, vetou que os promotores estaduais o levem a um terceiro julgamento.

    O Estado já afirmou que vai recorrer da decisão.

    Reprodução/lalahshakur.com
    Albert Woodfox, membro dos Panteras Negras, pode ser libertado após passar 43 anos na solitária
    Albert Woodfox, membro dos Panteras Negras, pode ser libertado após passar 43 anos na solitária

    "Estamos muito esperançosos de que ele seja solto nesta terça. Mas, dependendo do que acontecer, isso pode levar dias, semanas ou meses", afirmou Tory Pegram, coordenadora da campanha pela libertação dos chamados "Três de Angola".

    Pegram, que falou com Albert Woodfox na noite de segunda, afirmou que o preso está "animado e nervoso." "Ele reconhece que esse é um passo extraordinário, mas também está preparado para que esse processo leve alguns dias", disse.

    Woodfox passa 23 horas por dia no confinamento solitário –nessas condições, segundo o relator especial sobre tortura da ONU, o detento pode começar a desenvolver distúrbios psicológicos irreversíveis após 15 dias. Nos EUA, ele é o segundo preso a passar mais tempo na "caixa" ao longo da história do país.

    Preso por roubo no fim da década de 1960, ele fundou uma unidade dos Panteras Negras na prisão de Angola, na Louisiana, para lutar contra as violações dos direitos humanos que ocorriam no local.

    Em abril de 1972, o guarda penitenciário Brent Miller, 23, foi morto a facadas enquanto fazia a ronda em um dos complexos de Angola. Woodfox e outro Pantera, Herman Wallace, foram acusados da morte e colocados na solitária no mesmo dia –condição em que Woodfox está até hoje, mesmo após transferido para outra prisão em 2010.

    Em 1973, os dois foram condenados à prisão perpétua. Woodfox e Wallace nunca assumiram a autoria do crime e dizem ter sido perseguidos por causa da militância dentro da prisão.

    Desde então, a condenação de Woodfox foi revogada por três vezes na Justiça, sob o argumento de que houve discriminação racial nos julgamentos. Em todas as ocasiões, no entanto, o procurador-geral da Lousiana, Buddy Caldwell, recorreu das decisões –ele já se referiu a Woodfox como "o homem mais perigoso do planeta."

    Em novembro de 2014, um tribunal federal de apelações manteve a decisão de soltar Woodfox. Mas, novamente, o Estado recorreu e, em fevereiro deste ano, decidiu iniciar o processo para levar o detento a um terceiro julgamento.

    O juiz federal James Brady, no entanto, determinou que Woodfox não enfrente novamente o júri devido a "condições excepcionais". Ele citou, entre elas, a incapacidade do Estado de promover um "julgamento justo", a idade e os problemas de saúde do preso e "o prejuízo ao sr. Woodfox por ter passado mais de 40 anos no confinamento solitário."

    A decisão de vetar um novo julgamento é, segundo Tory Pegram, "um unicórnio judicial." "É algo de que você ouve falar mas nunca acha que vai acontecer com você. É um veredicto muito raro", disse.

    Woodfox sofre de hepatite C, hipertensão, insuficiência renal crônica, diabetes tipo 2 e insônia.

    O porta-voz do procurador-geral da Lousiana, Aaron Sadler, afirmou nesta segunda (8) que o Estado vai apelar da decisão.

    "Esta ordem ignora arbitrariamente decisões de júris e dá a um assassino passe livre", afirmou.

    A advogada de Woodfox, Carine Williams, rebateu a afirmação. "Não há nada de arbitrário na decisão do tribunal federal, que foi cuidadosamente considerada e se baseia firmemente na lei", disse.

    "Esperamos ansiosos para que o sr. Woodfox possa ir para casa com sua família, receba o tão necessário atendimento médico e viva o resto de seus dias em paz", afirmou Williams.

    TESTEMUNHA CEGA

    A defesa de Woodfox afirma que a principal testemunha do caso, um homem condenado por estupro chamado Hezakiah Brown, foi subornado pela diretoria da prisão para prestar seu depoimento –ele foi perdoado e libertado mais tarde.

    Entre os presos que testemunharam contra os Panteras também está um cego que disse em depoimento ter visto Woodfox saindo do local do crime e outro diagnosticado com esquizofrenia.

    Até mesmo a viúva do guarda assassinado, Teenie Rogers, já declarou que não acredita na culpa dos dois homens condenados.

    Woodfox, Herman Wallace e um outro preso, Robert King, também membro dos Panteras Negras, ficaram conhecidos como "Os Três de Angola" por terem passado, juntos, mais de um século no confinamento solitário.

    Wallace foi solto em outubro de 2013, após 41 anos na solitária. Ele morreu três dias depois, vítima de um câncer no fígado. King teve sua condenação revogada em 2001 e foi libertado, após 29 anos.

    De acordo com censo do Escritório de Estatísticas Jurídicas, feito em 2005, há cerca de 80 mil presos em algum tipo de confinamento isolado nos Estados Unidos. Entre eles, 25 mil estão em prisões de segurança máxima espalhadas por 44 Estados americanos.

    Oficialmente, a solitária é utilizada para isolar presos que representem uma ameaça para a segurança da prisão –como membros de gangues, por exemplo– ou para si mesmos.

    De acordo com o site Solitary Watch, que monitora a utilização do confinamento nas prisões, porém, ela é usada como primeiro recurso de controle de presos em muitas penitenciárias americanas.

    "Hoje, homens e mulheres podem ser colocados em isolamento completo por meses ou anos não apenas por atos violentos mas também por posse de contrabando, uso de drogas, por ignorar ordens ou falar palavrões", afirma o site.

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