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    Judeus ultraortodoxos aderem à alta tecnologia

    DANIELA KRESCH
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE TEL AVIV

    12/06/2015 02h00

    Escrituras sagradas numa mão, mouse de computador na outra: levados pela necessidade de sustentar grandes famílias com cada vez menos subsídios do governo, judeus ultraortodoxos (os haredim, "tementes a Deus") buscam o sustento na alta tecnologia.

    "Estamos fazendo a mesma coisa que fazem em Tel Aviv", diz Yitzik Crombie, 34, fundador do Fórum Haredi de High Tech, incubadora para empreendedores ultraortodoxos que fica em Bnei Brak, maior cidade religiosa de Israel, a 6 km da capital.

    Para ele, a alta tecnologia pode ser a solução para famílias em Israel que precisam de sustento e não querem deixar de lado seu estilo de vida, que segue à risca preceitos judaicos como comida "kosher" (sem mistura entre queijos e carnes, por exemplo), separação de homens e mulheres e descanso total no "shabat" (o sábado judaico).

    Daniela Kresch/Folhapress
    Racheli Ganot, 38, fundadora da Rachip, companhia que emprega mulheres judias ultraortodoxas
    Racheli Ganot, 38, fundadora da Rachip, companhia que emprega mulheres judias ultraortodoxas

    Os ultrarreligiosos (10% da população) formam a camada mais pobre de Israel. Para essa comunidade, o mais importante é estudar a Torá. Só 40% dos homens trabalham. Em geral, são as mulheres que sustentam famílias com, às vezes, mais de dez filhos.

    Os ultraortodoxos são alvo de críticas de judeus seculares por usufruírem de serviços de saúde e educação gratuitos contribuindo menos para a economia e, muitas vezes, recusando-se ao serviço militar obrigatório de três anos.

    A tensão com os seculares cresce à medida que a comunidade haredi se multiplica —a previsão é de que chegue a 25% da população de Israel em duas décadas. Nos últimos anos, além de o custo de vida ter subido, o valor dos benefícios do governo caiu diante da pressão pela inserção dos ultraortodoxos na economia.

    CONTEÚDO 'IMORAL'

    As mulheres foram as primeiras a buscar os salários da alta tecnologia. Foi o caso de Racheli Ganot, 38, fundadora da Rachip, com cem empregados, a maioria mulheres.

    Aos 16 anos, Ganot entrou no primeiro curso de computação para mulheres da cidade. "Na vizinhança, ninguém entendia o que era", diz. Hoje, mais de 500 mulheres ultraortodoxas se formam todo ano nos cursos do setor.

    Elas enfrentam um "choque cultural", já que a maioria delas não tem computador em casa e, quando tem, não usa a internet, para não lidar com conteúdo "imoral".

    Para aproveitar a oferta, Ganot criou uma empresa com ambiente haredi. Ela ensina aos clientes do sexo masculino como lidar com suas programadoras, em geral casadas, que usam roupas recatadas (sem mostrar braços e pernas) e perucas (cabelo só pode ser exposto ao marido).

    Em reuniões, por exemplo, é mais aceitável que os homens se sentem em frente às funcionárias, não ao lado. Não devem cumprimentá-las com apertos de mão ou beijinhos, elogiar o seu físico, combinar almoços de trabalho ou convidar para festas.

    "As programadoras estão aqui para trabalhar, não para se socializar. No escritório, não têm Facebook ou outras redes sociais. É pela manutenção de nossos valores que a high-tech floresce no mundo haredi", explica Ganot.

    Nos últimos dois anos, os homens também começam a aderir ao setor. Yitzik Crombie conta que eles têm dificuldade para serem contratados. "Há muito preconceito. Às vezes é difícil para um empregador nos entender. Mas somos leais e dedicados."

    Segundo o brasileiro Décio Segal, 34, casado e com sete filhos, os haredim se destacam em cursos de análises de sistemas, apesar de não terem estudado matemática ou inglês nas escolas religiosas. "Aprender a Torá desenvolver o raciocínio e a capacidade de estudar. E isso é a base da alta tecnologia", explica.

    Para Segal, que é diretor de vendas da empresa iSale e vive em Israel há 15 anos, a high-tech permite conciliar o estudo das escrituras com o trabalho. "Do sofá de sua casa, comendo pipoca, você pode produzir algo rentável."

    Mas ele admite que o mundo haredi ainda se ajusta à modernidade. "Há quem suspeite —nem todos acreditam que se possa manter o recato no mundo corporativo."

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