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    Reduto das Farc, Cauca, no sul da Colômbia, vive dias de 'Afeganistão'

    LUCAS FERRAZ
    ENVIADO ESPECIAL A CAUCA (COLÔMBIA)

    14/06/2015 02h00

    Ao pé de uma das montanhas do departamento de Cauca, no sul da Colômbia, o líder comunitário Carlos Jonas Nazari, 36, resume em uma pergunta como é difícil mudar o círculo de violência da área, no epicentro do conflito armado que já dura mais de 50 anos.

    "Como convencer as pessoas a deixar o cultivo de coca e maconha pela banana ou pelo café se elas não conseguem um mínimo de dinheiro para sobreviver?"

    Região multiétnica, com comunidades indígenas, camponesas e afrodescendentes, Cauca é um dos bastiões das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), a guerrilha em atividade há mais tempo no mundo ocidental –desde 1964, quando se formou no Estado vizinho de Tolima.

    Em abril, num morro da cordilheira acima da casa de Nazari, na zona rural de Buenos Aires, a guerrilha rompeu o cessar-fogo que vigorava desde dezembro, durante as negociações de paz com o governo, que acontecem em Cuba há dois anos e meio.

    As Farc atacaram com morteiros, granadas e fuzis uma coluna de militares que descansava em um ginásio, deixando 11 mortos. O ataque ao vilarejo de nome La Esperanza estremeceu a mesa de negociações, que viveu seu momento mais crítico.

    Em resposta, no mês passado, o Exército bombardeou um acampamento na região costeira de Cauca, no Pacífico: morreram 27 guerrilheiros, dois deles ex-negociadores.

    Desde então, houve um recrudescimento nos confrontos em várias regiões, sobretudo no sul do país, área de retaguarda das Farc.

    Ao todo, já são mais de 30 ataques, com a morte de pelo menos 19 policiais e militares e mais de 40 guerrilheiros.

    Só em Cauca, onde o conflito chegou no seu nível mais alto, mais de 400 famílias já tiveram de deixar suas casas.

    A reportagem da Folha visitou na primeira semana de junho várias cidades –Silvia, Jambaló, Toribío, Miranda, Santander, Corinto, Caloto, Buenos Aires e Popayán– do Estado onde as Farc ainda têm influência e força militar.

    Entre os moradores, há até um trocadilho para a região: "Caucaquistão", uma terra "sem lei e sem Deus".

    Naqueles dias, a guerrilha atacou unidades da polícia, colocou bombas em estradas e continuava a enfrentar o Exército no alto das belas montanhas da região.

    De Cuba, no entanto, veio um novo ar de esperança para as negociações, que continuam: Farc e governo acordaram criar no pós-guerra uma Comissão da Verdade para passar a limpo 50 anos de um conflito que já deixou mais de 200 mil mortos.

    "Cauca é o laboratório da guerra e da paz na Colômbia", diz Ariel Ávila, um dos diretores da Fundação Paz e Reconciliação, que acompanha o conflito no país.

    A beleza da zona rural –onde vivem 25% da população do país– contrasta com a pobreza e a falta de assistência pública.

    O vazio deixou o território livre para a atuação de praticamente todos os grupos armados que existiram na Colômbia no último século –paramilitares, narcotraficantes, outras guerrilhas marxistas e milícias indígenas armadas.

    "O Estado só está presente com o Exército, que vem combater", afirma o líder afro José Hernal Caravali, 45.

    Além da coca, há na região vastas plantações de maconha, que crescem nos morros ou quintais de casas simples, muitas de barro e com pichações das Farc nas paredes.

    AUTOPROTEÇÃO

    A população civil, no meio do confronto, começou a se organizar para tentar proteger a comunidade e as terras –cerne do conflito colombiano.

    Os movimentos indígena e negro criaram áreas de proteção para abrigar a população durante os combates. A resistência os ajudou a permanecer em suas casas.

    Num passado não muito distante, populações eram forçadas a deixar suas terras, como ocorreu com parte da comunidade negra de Cauca, no início dos anos 2000.

    "Não se misturar à guerrilha ou ao Exército nos dá independência para atuar", conta Carlos Jonas Nazari.

    O Exército até iniciou diálogos com a comunidade para tentar pacificar a região.

    Um grupo desarmado foi criado para manter um canal com os moradores da chamada "zona vermelha", onde há forte atuação guerrilheira.

    "Sem mobilização social, não há como superar essa guerra", afirmou o general Wilson Cabra, responsável pelo grupo de elite Apolo, que combate as Farc em Cauca.

    Ele diz que só com a presença massiva do Estado será possível vislumbrar alguma paz no pós-conflito.

    "Subir as montanhas e destruir os cultivos ilícitos, por exemplo, não resolveria nada. Se fizesse isso, provocaria um problema social."

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