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    Caso a caso, Supremo do México autoriza casamento gay mesmo sem lei

    RANDAL C. ARCHIBOLD
    PAULINA VILLEGAS
    DO "NEW YORK TIMES", NA CIDADE DO MÉXICO (MÉXICO)

    15/06/2015 11h53

    Sua igreja o repudiou, sua família o aconselhou a não lutar publicamente por seu objetivo e o governo do seu Estado jurou que isso nunca aconteceria.

    Mas aconteceu.

    Hiram Gonzalez se casou com seu namorado, Severiano Chavez, no ano passado em Chihuahua, que, como a maioria dos Estados mexicanos, oficialmente permite apenas o casamento entre um homem e uma mulher.

    Rebecca Blackwell-28.jun.14/AP
    Pessoa fantasiada segura bandeira do orgulho gay em parada na Cidade do México
    Pessoa fantasiada segura bandeira do orgulho gay em parada na Cidade do México

    Nos últimos meses, contudo, eles dois e dezenas de outros casais gays encontraram um aliado poderoso: o Supremo Tribunal mexicano.

    Em uma decisão após outra, o Supremo vem considerando discriminatórias as leis que limitam o casamento a heterossexuais. Embora não tenham tido grande repercussão pública, as decisões têm o efeito de legalizar o casamento gay no México, sem que ele tenha sido oficializado na forma de lei.

    "Quando ouvi o juiz nos pronunciar legalmente casados, chorei", contou Gonzalez, 41 anos. Como acontece com quase todos os casais homossexuais que se casam no México, ele e Chavez precisaram de uma ordem judicial.

    Enquanto os Estados Unidos aguardam uma decisão da Suprema Corte sobre o casamento gay, as decisões do Supremo mexicano incluíram esse país numa lista lentamente crescente de países latino-americanos que permitem o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

    O casamento gay já é permitido no Brasil, Uruguai e Argentina. O Chile pretende reconhecer a união civil gay este ano, o Equador a aprovou em abril, e a Colômbia garante aos casais gays muitos dos mesmos direitos previstos aos casais heterossexuais casados.

    "É uma mudança enorme em relação a dez anos atrás", comenta Jason Pierceson, professor da Universidade do Illinois em Springfield e estudioso das tendências do casamento gay na América Latina.

    A mudança de postura no México, segundo maior país da América Latina, depois do Brasil, é decorrência de uma estratégia legal empregada por defensores da causa gay para passar ao largo dos Legislativos estaduais, que têm demonstrando pouca tendência a legalizar o casamento gay, quando não hostilidade à ideia.

    Em 2009, a Cidade do México, que é o Distrito Federal e forma uma grande ilha liberal no país socialmente conservador, legalizou o casamento gay, numa iniciativa pioneira na América Latina. Desde então foram celebrados 5.297 casamentos entre pessoas do mesmo sexo na cidade. Alguns dos casais vieram de outros Estados para se casar.

    Dos 31 Estados mexicanos, apenas um –Coahuila, perto da fronteira com o Estado norte-americano do Texas– já legalizou o casamento gay. Um segundo, Quintana Roo, o Estado onde fica Cancún, autoriza as uniões civis gays desde 2012, quando defensores dos direitos dos gays observaram que o código civil estadual referente ao casamento não estipula que o casal seja formado por um homem e uma mulher.

    Na maior parte do resto do país, o casamento é definido legalmente como uma união entre um homem e uma mulher. São leis que podem continuar a valer, não obstante as decisões do Supremo.

    Em 2010 o Supremo Tribunal manteve a lei da Cidade do México e definiu que outros Estados são obrigados a reconhecer os casamentos celebrados na capital.

    Os defensores do casamento homossexual enxergaram uma oportunidade de usar as decisões do Supremo para alegar que as leis de casamento vigentes em outros Estados são discriminatórias.

    Levando em conta as decisões internacionais e os tratados contra a discriminação firmados pelo México, o Supremo Tribunal vem concordando sempre, concedendo ordens judiciais em casos individuais para permitir que casais gays se casem nos Estados em que a lei proíbe esse tipo de união.

    Um avanço importante foi conquistado este mês, quando o Supremo Tribunal ampliou suas decisões, decretando que qualquer lei estadual que limite os casamentos aos heterossexuais é discriminatória.

    "Como a finalidade do matrimônio não é a procriação, não existe razão justificada por que a união matrimonial tenha que ser heterossexual ou que se declare que ela acontece apenas entre um homem e uma mulher", diz a decisão do tribunal. "Tal declaração se revela discriminatória em sua simples expressão."

    Mas a decisão não derruba automaticamente as leis estaduais referentes ao casamento. Contudo, permite que os casais gays cujo direito de se casar não é reconhecido em seus Estados busquem mandados judiciais de juízes distritais, que, agora, são obrigados a concedê-los.

    No caso de Gonzalez, o Supremo Tribunal já tinha decretado anticonstitucional a lei vigente no Estado de Chihuahua. Com isso, o casal pôr obter um mandado judicial, de modo que seu casamento pudesse acontecer.

    Representantes estaduais de Chihuahua juraram que jamais vão legalizar o casamento gay, e Gonzalez contou que foi expulso de sua igreja local por ser gay.

    Ele e seu marido se recusaram a ir à Cidade do México para se casar, dizendo que acham que têm o direito de se casar no Estado onde pagam seus impostos.

    Para Gonzalez, o princípio é importante.

    "Não é apenas a batalha legal, mas tudo o que ela envolve –a tensão emocional e física do processo", disse Gonzalez. "Em última análise, lutamos por nossa dignidade."

    Alfredo Estrella-2.jun.2102/AFP
    Multidão participa de parada gay no México; Supremo aprova caso a caso o casamento gay no país
    Multidão participa de parada gay no México; Supremo aprova caso a caso o casamento gay no país

    O advogado Alex Ali Mendez defende os direitos dos gays e em 2012 aceitou um processo envolvendo três casais do Estado de Oaxaca, usando os argumentos do Supremo Tribunal para contestar a lei desse Estado.

    O tribunal decidiu em favor do casal, uma decisão inusitada no âmbito estadual.

    "Abrimos a porta em Oaxaca e agora a estamos fazendo em outros Estados", disse Mendez.

    Ainda restam obstáculos burocráticos e às vezes hostilidade.

    Os cartórios que seguem as leis estaduais ainda podem barrar casais gays que buscam se casar.

    Cabe aos casais apelar aos tribunais, em um processo que pode custar US$1.000 (cerca de R$3.100) ou mais e arrastar-se por meses. Embora os defensores dos direitos dos gays estejam divulgando os avanços conquistados, muitos casais gays ainda não sabem que contam com recursos legais fortes se quiserem se casar.

    O advogado Mendez, que atua nesses processos, disse que o passo seguinte no processo legal será compilar um número suficiente de mandados judiciais em cada Estado para alcançar um patamar com o qual o Supremo Tribunal poderá exigir que os Legislativos estaduais reescrevam suas leis.

    Mas especialistas dizem que o México já chegou a um momento divisor de águas.

    "Tudo indica que haverá mais igualdade de casamento no México no futuro próximo", comentou Pierceson. "Não sabemos se haverá uma reação contrária ou protestos visando barrar o casamento gay."

    Tradução de CLARA ALLAIN

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