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    Falso assessor vira porta-voz do governo dos EUA na Venezuela

    SAMY ADGHIRNI
    DE CARACAS

    18/06/2015 02h38

    A julgar por uma rápida busca em sites venezuelanos, Jim Luers deve ser um dos homens mais versáteis do quadro de servidores federais dos Estados Unidos.

    Ele já foi funcionário do Tesouro, investigador de crimes financeiros e até agente do FBI, principal polícia federal do país. Seu cargo mais recente, ainda de acordo com a busca, é o de porta-voz da Casa Branca.

    É nesta condição que Luers vem sendo citado pela mídia venezuelana para desmentir categoricamente uma reportagem do "Wall Street Journal" comprometedora para o alto escalão de Caracas.

    A reportagem diz que o todo-poderoso Diosdado Cabello, presidente do Parlamento e número dois do partido chavista PSUV, que esteve no Brasil na semana passada, é investigado dos EUA por suposto elo com o narcotráfico após denúncia de um dissidente.

    "Totalmente falso", rebateu Luers, segundo jornais e TVs da Venezuela, para delírio chavista.

    O deputado governista Earle Herrera chegou a discursar no plenário contra jornais que se recusavam a divulgar o tal desmentido dos EUA.

    O ceticismo de muitos jornalistas tem explicação: a Casa Branca nunca teve um funcionário chamado Jim Luers.

    O caso foi desmascarado pelo jornal opositor "El Nacional", que também consultou os departamentos de Estado, do Tesouro e o FBI, onde obteve mesma resposta.

    Reprodução/Twitter
    Perfil de Jim Luers, suposto porta-voz da Casa Branca, usa foto do secretário do Tesouro
    Perfil de Jim Luers, suposto porta-voz da Casa Branca, usa foto do secretário do Tesouro

    MAL NA FOTO

    Jim Luers apareceu pela primeira vez em 2010, citado como funcionário do FBI pelo colunista J. A. Almenar, do semanário "Quinto Dia", publicação que não é vista como chavista.

    No entanto, quem mais divulgou declarações do multifacetado funcionário foi a mídia estatal.

    A Folha contatou veículos que citaram Jim Luers, mas somente o "Quinto Dia", privado, atendeu a reportagem.

    O coordenador Jaime Garvett disse que tudo não passa de um "mal entendido" e afirmou que o erro foi identificar Jim Luers como porta-voz do governo, não como fonte bem informada em Washington. "Mas ele existe."

    Para provar sua versão, o semanário publicou uma coluna assinada pelo suposto Jim Luers, na qual manteve a versão de que não há investigação em curso nos EUA contra o chavista Cabello.

    O "Quinto Dia" não forneceu os contatos de Luers.

    Após o início da polêmica, uma conta assinada pelo "verdadeiro Jim Luers" surgiu no Twitter. A foto, porém, foi rapidamente identificada por internautas como sendo do diplomata americano Lawrence Strickling.

    Antes, em uma imagem capturada pelo site Buzzfeed, a foto usada era do atual secretário do Tesouro norte-americano, Jacob Lew.

    A conta @RealJimLuers foi desativada. Permanece no ar um blog que estava ligado à conta, mas tem tom satírico.

    Especialista em redes sociais, o jornalista Luis Carlos Díaz avalia que o caso é revelador sobre a situação da imprensa na Venezuela.

    "Não há acesso à informação pública neste país, e o padrão de boataria gerado por isso favorece o governo", afirma Díaz, acrescentando que o governo plantou a existência de Jim Luers.

    "O mais espantoso não é o falso Jim Luers, mas o fato de deputados falarem dele no plenário da Câmera e de até hoje ninguém ter se retraído ou se desculpado pelas reportagens, que, aliás, continuam na internet".

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