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    Bandeira escravagista confederada ainda tremula na Carolina do Sul

    RAUL JUSTE LORES
    ENVIADO ESPECIAL A CHARLESTON (CAROLINA DO SUL)

    21/06/2015 02h00

    Ícone favorito dos defensores da escravidão e da segregação racial, a bandeira da Confederação sulista americana ganhou mais destaque após o atentado racista em uma igreja de Charleston.

    Usada pela Ku Klux Klan e por movimentos de supremacia branca, ela adornava a placa do carro de Dylann Roof, 21, o autor confesso da chacina que matou nove pessoas na Igreja Metodista Emanuel na quarta (17).

    Foi também a única bandeira oficial na capital da Carolina do Sul, Columbia, que não ficou a meio mastro em homenagem às vítimas.

    Raul Juste Lores
    Bandeiras da Confederacao do Sul dos EUA no cemiterio Magnolia, em Charleston, na Carolina do Sul
    Bandeiras da Confederacao do Sul dos EUA no cemiterio Magnolia, em Charleston, na Carolina do Sul

    Por medo de que seja arrancada, ela fica no topo de um monumento aos mortos na Guerra de Secessão, protegida por uma grade no solo e por policiais e iluminada à noite. Não pode ser içada.

    O símbolo racista só sairá dali se 2/3 da Assembleia aprovarem (a lei é de 2000).

    Os Estados Confederados do Sul quiseram se separar dos EUA para manter o regime escravocrata, causando uma guerra entre 1861 e 1865. Seus líderes diziam que, com a revolução industrial nos Estados do Norte e a forte imigração, eles perderiam poder dentro dos EUA se tivessem que pagar pelo serviço dos escravos nas fazendas.

    Nas expansões do país, muitos dos novos Estados foram agregados com a escravidão já proibida.

    NO TOPO

    Eles perderam a guerra, mas a bandeira da cruz sulista, um xis azul sobre fundo vermelho e treze estrelas, continuou tremulando em casas, associações e nas milícias racistas como a KKK.

    Até que, em 1962, no auge da batalha por direitos iguais para os negros, o governo segregacionista da Carolina do Sul decidiu pôr a bandeira confederada no topo do Capitólio, com apoio da maioria da Assembleia local.

    A população negra fez seguidos protestos contra essa bandeira, até que em 2000 foi alcançado um acordo.

    A bandeira sairia do Capitólio, mas seria instalada na praça em frente, a principal de Columbia, em um monumento aos mortos na Guerra.

    Na mesma praça, há um memorial separado aos soldados negros mortos.

    Nesta semana, as bandeiras do país e do Estado ficaram a meio mastro, mas ela continuou tremulando no topo, sem luto. "Dói ver a bandeira ali, na nossa cara, enquanto legislamos", disse à Folha o deputado Todd Rutherford, negro, líder da minoria democrata. "A liberdade de expressão garante que ela esteja em locais privados, mas ela tem de ser tirada de um local público."

    Para a funcionária pública negra Laila Gerry, 64, que participava de uma das maiores vigílias na sexta em homenagem aos mortos, "equivale aos alemães ficarem colocando a bandeira da SS em lugares públicos de Berlim".

    Ela lembra quando viu Martin Luther King discursar na igreja Emanuel, em 1962. "Saí da escola naquele dia para vê-lo, e racistas jogavam água na gente com mangueiras. Construímos este país, mas a bandeira lembra que os supremacistas brancos têm saudades do passado."

    CEMITÉRIO E SUBMARINO

    No cemitério Magnolia, criado em 1849, na vizinha North Charleston, onde antes havia uma fazenda de arroz que usava trabalho escravo, há bandeiras confederadas por toda a parte.

    Três mil soldados do lado derrotado na Guerra de Secessão foram enterrados no Magnolia, um cemitério cinco vezes maior que o da Consolação, de São Paulo.

    Generais confederados ganharam jazigos suntuosos, raros para os padrões dos cemitérios americanos.

    Patrimônio histórico nacional, aparentemente congelado no tempo, suas lápides desgastadas mal permitem ver os nomes de quem ali descansa em paz.

    Mas as bandeiras confederadas que enfeitam os principais mausoléus não são antigas. Várias estão em ótimo estado, como se tivessem sido recém-colocadas.

    A dois quilômetros dali, o governo estadual criou um laboratório para restaurar o submarino Hunley, "o único submarino da Confederação a ter afundado um navio da União [do Norte abolicionista]", segundo o site da fundação que promove a restauração do artefato.

    O Hunley é tratado como orgulho local, apesar de ter afundado também em 1864.

    Quando foi encontrado, em 2000, os restos mortais de seus tripulantes foram levados para o cemitério Magnolia para serem enterrados.

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