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    ANÁLISE

    Ataques dão a impressão de que o Estado Islâmico se espalha

    IGOR GIELOW
    DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

    26/06/2015 11h56

    Os atentados desta sexta-feira (26) sugerem que o EI (Estado Islâmico) está conseguindo ser bem-sucedido numa especialidade da Al Qaeda na década de 2000: instilar a sensação de insegurança generalizada em partes diversas do globo.

    Mas é apressado considerar que o grupo extremista que hoje controla porções significativas da Síria e do Iraque organizou de fato os ataques. Há características próprias em cada um dos incidentes, que acabam ganhando o rótulo de "ação do EI" por gravidade.

    O mais letal, ocorrido numa praia de Sousse, na Tunísia, carrega a marca de uma ação de insurreição típica do Norte da África. Como na Argélia nos anos 1990, esses grupos islâmicos radicais têm sua violência fundamentada em rivalidades tribais e confessionais.

    Cabe lembrar que a Tunísia, berço daquela que talvez tenha sido a única genuína "Primavera Árabe", sempre foi um país em que a tensão entre governos seculares e estratos religiosos esteve marcada. Durante os regimes autocráticos das últimas décadas, isso se resolveu à força e o país floresceu como destino turístico.

    Lugares como Sousse ou a ilha de Djerba são coalhados de resorts para a classe média europeia. Bebe-se álcool livremente –o vinho rosé tunisiano é de qualidade aceitável em condições, digamos, balneárias. Antros de perdição para grupos radicais islâmicos, que sempre existiram na região, muito antes de o EI surgir.

    Já o ataque no Kuait é um exemplo bem-acabado da crescente violência na relação entre os ramos sunita (majoritário) e xiita (minoritário) do islamismo.

    Ele se insere em um quadro maior, de disputa geopolítica entre o Irã (xiita) e a Arábia Saudita (sunita) pela influência em Estados do Golfo e no Oriente Médio como um todo. Ser "do Estado Islâmico" é apenas, neste caso, uma conveniência midiática.

    Por fim, a ação na usina de gás francesa sugere, aí sim, um típico caso de ataque inspirado pelo EI –embora só a investigação dirá se houve envolvimento direto, com treinamento do terrorista em algum campo do grupo.

    Aparentemente, temos aqui o famoso "lobo solitário", o indivíduo que por motivos diversos é atraído pela ideologia extremista num contexto de inadequação social.

    Não por acaso o ataque ocorreu na França, palco do massacre no semanário satírico "Charlie Hebdo" em janeiro. O país, que tem uma das maiores populações islâmicas na Europa, vive um difícil equilíbrio entre políticas seculares e a pressão demográfica de imigrantes muçulmanos e seus descendentes.

    Se isso parece abstrato e você estiver em Paris, experimente subir a pé o bulevar Magenta, da place de la Republique até a região de Saint-Ouen, para compreender a tensão que existe no ar entre as comunidades do Magreb e os franceses mais tradicionalistas.

    Assim, temos casos díspares que podem até ter tido algum tipo de coordenação, algo fácil na era da internet, mas que usam o guarda-chuva do jihadismo internacionalista do Estado Islâmico. O EI usa então um elemento do capitalismo que tanto combate, o "branding" e a ideia de franquias, para firmar-se como o sucessor mais perigoso e radical da Al Qaeda no imaginário ocidental.

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