• Mundo

    Friday, 03-May-2024 11:21:17 -03

    OPINIÃO

    Por que o Brasil deve ajudar a fechar Guantánamo

    ERIC LEWIS
    LAURA WAISBICH
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    28/06/2015 11h00

    Dilma Rousseff viajou aos EUA para se encontrar com seu homólogo, o presidente Barack Obama. Essa é uma oportunidade única para mostrar a disposição do Brasil em ser parte da pressão global para resolver uma das mais trágicas e persistentes crises humanitárias em nosso continente: a contínua existência da prisão de Guantánamo –uma base militar americana em Cuba convertida em campo de detenção para homens muçulmanos por George W. Bush depois dos ataques terroristas do 11 de Setembro.

    A embaixadora americana em Brasília afirmou em artigo para a Folha que os direitos humanos são um tópico sobre o qual os dois países deveriam trabalhar durante a reunião presidencial. E não há maneira de falar sobre direitos humanos sem tocar em Guantánamo.

    Em seus mais de 13 anos de existência, quase 800 homens foram detidos nessa prisão. Apenas quatro foram condenados por comissões militares. 116 permanecem lá.

    Quem são eles? 51 foram liberados para soltura, tendo sido concluído que não apresentavam nenhum risco para os EUA ou seus aliados. Todos os 51 tiveram sua liberação aprovada há pelo menos seis anos, muitos deles há muito mais tempo. Nunca foram acusados por nenhum crime. Muitos simplesmente estavam no lugar errado na hora errada.

    Então, por que esses homens ainda estão acorrentados ao chão em um remoto complexo de segurança máxima que custa ao governo americano US$ 3 milhões por pessoa anualmente?

    A resposta é simples. A administração Obama afirma que não pode reassentar essas pessoas nos EUA porque o Congresso, irresponsavelmente, proibiu. Alguns homens não podem voltar para casa por conta do medo de perseguição e tortura, ou porque seus países não são mais considerados seguros. É o caso, por exemplo, de todos os iemenitas presos em Guantánamo, cujo país mergulhou em guerra civil.

    Logo, o governo americano tem de convencer terceiros países a reassentarem esses homens. Seis agências governamentais estadunidenses (incluindo o FBI e a CIA), em decisões unânimes, liberaram-nos por considerarem que não representam risco material de segurança. É política pura, portanto, o que os mantêm em Guantánamo.

    A prisão em Guantánamo se tornou exemplo do abandono do Estado de Direito depois de setembro de 2001, por combinar detenções arbitrárias com o uso de tortura institucionalizada.

    Em relação aos homens que não foram liberados para transferência, eles deveriam ser indiciados ou soltos. Nãos se deve permitir jamais que pessoas que nunca foram acusadas de nenhum crime sejam detidas por tempo indeterminado, por conta de algum medo hipotético de periculosidade futura. Essa tentação não pode prevalecer sobre o erro geopolítico e a calúnia moral que é deter homens muçulmanos sem acusação e sem esperança. A conivência com a detenção arbitrária erode o Estado de Direito.

    FAZER A COISA CERTA

    É tempo de o Brasil, um país que está lutando para enfrentar os erros de seu passado autoritário e que se comprometeu constitucionalmente a avançar em direitos no plano interno e em suas relações internacionais, fazer a coisa certa e reassentar presos que foram liberados para soltura. Um grupo diverso de 22 terceiros países ao redor do globo já o fez, acabando com o limbo legal desses homens e oferecendo-lhes uma chance de começar uma vida nova.

    O papa Francisco fez um pronunciamento contundente defendendo a busca de "soluções humanitárias" para os prisioneiros de Guantánamo. O Uruguai recebeu seis ex-detentos. Omã fez o mesmo recentemente, e outros países no Oriente Médio deveriam também oferecer opções seguras de reassentamento em áreas onde a língua, a religião e a cultura serão familiares. Países europeus também abrigaram cerca de 50 homens.

    Países que reassentaram essas pessoas descobriram que ea precipitada grande parte das preocupações, do alarmismo e do furor midiático sobre a possibilidade de os homens de Guantánamo representarem ameaça à segurança. Tais receios não se materializaram ou rapidamente se dissiparam.

    Ao contrário, os homens que ficaram encarcerados sob tortura e condições desumanas sem nenhuma acusação ou julgamento por anos puderam finalmente fazer o que há muito sonhavam: reconstruir uma vida simples. A alternativa a isso –deixar essas pessoas já liberadas em Guantánamo para sempre– é tão moralmente inaceitável quando politicamente contraproducente.

    Ainda que o Brasil não seja a origem da crise em Guantánamo, há várias razões pelas quais deveria ser parte da solução. Ajudaria o presidente Obama em seu objetivo de fechar Guantánamo, contrariando as tentativas de obstrução por parte do alarmismo conservador. E converteria o país em um importante líder simbólico na luta pela liberdade e pela tolerância.

    Fechar Guantánamo deve ser uma prioridade global. A visita de Dilma aos EUA oferece ao Brasil uma excelente oportunidade para protagonizar um papel-chave nos esforços para acabar com essa tragédia.

    ERIC LEWIS é diretor do conselho americano da organização Reprieve e advogado de presos de Guantánamo. LAURA WAISBICH é assessora de política externa da Conectas Direitos Humanos.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024