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    Kirchneristas tiram juiz do cargo e abrem nova crise com Judiciário

    MARIANA CARNEIRO
    DE BUENOS AIRES

    01/07/2015 07h00

    Aliados do governo de Cristina Kirchner afastaram do cargo o juiz substituto Luis María Cabral, decisão que abriu uma nova crise com o poder judiciário na Argentina.

    Cabral analisava temas sensíveis à presidente, como o acordo firmado com o Irã em 2011 com o propósito de tentar interrogar suspeitos pelo atentado a bomba em Buenos Aires, em 1994.

    Esse pacto foi objeto de investigação do promotor Alberto Nisman,encontrado morto em janeiro em um caso ainda sem explicação. Ele suspeitava que o acordo seria apenas de fachada, para esconder interesses econômicos da Argentina com o Irã em troca de um suposto relaxamento na captura dos suspeitos.

    Damian Dopacio-10.jun.2015/AFP
    A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, foi alvo de investigação do promotor Alberto Nisman
    A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, foi alvo de investigação do promotor Alberto Nisman

    A denúncia de Nisman foi rejeitada pela Justiça Cabral seria um dos responsáveis por avaliar a constitucionalidade do pacto entre Argentina e Irã, tema que foi alvo de intensas críticas contra o governo argentino.

    DO CONTRA

    Cabral havia decidido contra o governo não faz muito tempo.

    Em abril, decidiu manter a investigação do suposto esquema de desvio e lavagem de dinheiro da família Kirchner em Buenos Aires. Uma juíza de Santa Cruz, ligada à família Kirchner, tinha tentado levar a causa para para a província natal da família presidencial. O intento não prosperou.

    Na última semana, Cabral foi afastado do cargo em uma votação do Conselho de Magistratura. O órgão, composto por juízes, políticos e acadêmicos, criado pela constituição argentina de 1994, decidiu pela sua saída. A maioria dos integrantes é aliada do governo e Cabral, alegaram eles, estava há muito tempo no cargo como juiz substituto (desde 2011).

    Quem assumiu a sua vaga na sala 1 do Tribunal de Cassação Penal (uma espécie de segunda instância) foi o advogado Cláudio Vázquez, que seria ligado a políticos kirchneristas.

    ACUSAÇÕES

    A partir daí, trocas de acusações dominaram o cenário político argentino. O deputado Gustavo Valdes, do opositor partido radical e membro do Conselho de Magistratura, denunciou que seu voo de Resistência a Buenos Aires, no dia da votação que definiria o futuro de Cabral, foi cancelado sem motivo.

    Ele desconfia que tenha sido uma manobra para evitar seu voto de apoio ao juiz. A Aerolineas Argentinas, empresa controlada pelo governo e responsável pela rota, nega a acusação e afirma que o mau tempo provocou o cancelamento do voo.

    Nesta terça (30), a Suprema Corte rejeitou uma tentativa do promotor do caso Irã, Raul Plée, de restabelecer Cabral no julgamento.

    Segundo a mais alta corte argentina, não cabia aos juízes arbitrar sobre o tema como uma espécie de supervisor do judiciário. Assim, a situação ficou congelada.

    MARCHA

    Insatisfeitos, os juízes organizam agora uma manifestação prevista para a próxima terça (7), a favor da independência do poder judiciário.

    Não seria a primeira marcha de integrantes da Justiça em desaprovação ao governo de Cristina Kirchner neste ano. A primeira –e maior delas– ocorreu a um mês da morte de Nisman.

    18.fev.2015/AFP
    Argentinos participam de marcha convocada por juízes pedindo por justiça ao promotor morto Nisman
    Argentinos participam de marcha convocada por juízes pedindo por justiça ao promotor morto Nisman

    Pesquisadora do Cippec (Centro de Implementação de Políticas Públicas para a Igualdade e o Crescimento), Sandra Elena afirma que o caso Cabral é consequência de um "mau desenho institucional" do conselho de magistratura e das normas que regulam o trabalho dos juízes substitutos.

    Segundo ela, um terço dos juízes argentinos hoje são substitutos, ou seja, não passaram pelos trâmites requeridos pela constituição argentina.

    "Isso é um terreno muito fértil para manipulações indevidas", afirma.

    Elena observa que já houve uma decisão da Justiça contra o regime, mas o governo (e os legisladores) seguem ignorando a decisão.

    "O caso Cabral é mais um capítulo dessa história problemática criada por um desenho institucional incorreto e por uma falta de acordo político sobre como solucioná-la", diz ela.

    Elena faz parte de um grupo de especialistas que está preparando uma série de sugestões para aperfeiçoar o funcionamento do judiciário e sua relação com os demais poderes.

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