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    Nova lei não mudará o modo de viver de gays em Moçambique, diz ativista

    DAVID SMITH
    DO "THE GUARDIAN"

    02/07/2015 07h00

    Os ativistas dos direitos dos homossexuais receberam positivamente a descriminalização da homossexualidade em Moçambique, mas disseram que ainda têm uma longa luta pela frente antes de conquistar a igualdade.

    O Código Penal que entrou em vigor na segunda-feira (29) revogou leis da era colonial portuguesa, iniciada em 1886, que condenavam qualquer pessoa que "se envolva habitualmente em vícios antinaturais" a três anos de trabalhos forçados.

    Foi uma mudança em geral simbólica, porque não há processos por homossexualidade conhecidos desde que Moçambique conquistou a independência, há 40 anos.

    Lucy Nicholson - 26.jun.2015/Reuters
    Bandeira do orgulho gay com o símbolo lambda
    Bandeira do orgulho gay com o símbolo lambda

    "Recebemos a mudança positivamente, mas não a vemos como algo que mudará a maneira pela qual as pessoas LGBT vivem em Moçambique", disse Carina Capitine, porta-voz da Lambda, a única organização de defesa dos direitos dos homossexuais que opera no país e que fez lobby pela mudança.

    O grupo vem lutando há sete anos por reconhecimento oficial do governo.

    "Essa é a batalha que teremos a seguir", disse Capitine.

    "Muita gente vem perguntando sobre o casamento gay e a adoção por casais gays, mas não podemos pensar nisso ainda. Nosso registro é a questão chave para nós. Ainda não ouvimos muita coisa a respeito, mas estamos todos pressionando e acreditamos que o teremos em breve".

    A Lambda tem entre 40 e 50 membros e oferece aconselhamento, assistência judicial e conselhos sobre saúde.

    O registro significaria acesso a verbas e isenção de impostos e representaria um passo na direção da aceitação da comunidade LGBT do país.

    Moçambique tem a reputação de abrigar atitudes sociais mais relaxadas que as de muitos países da África.

    Capitine acrescenta que "somos um povo bastante tolerante. A comunidade LGBT não é alvo de atos violentos, como em alguns países africanos. Mas enfrentamos discriminação. Como quando pais dizem que não podemos viver em suas casas se não mudarmos".

    A mídia convencional tende a ignorar o assunto, mas a internet oferece uma plataforma para a conscientização.

    Dercio Tsandzana, importante ativista e blogueiro de Moçambique, disse que "nos jornais não se encontra nada; na mídia local não falam a respeito. Mas você pode usar o Facebook e encontrar o Lambda. 'Olhe só, nós existimos'".

    Ele acrescentou: "Não é possível dizer que o governo tem a mente aberta. Uma coisa são leis abertas, outra é oferecer reconhecimento a uma organização como a Lambda. Eles não estão dizendo que não aceitam mas tampouco estão dizendo que aceitam. Há mais que leis em jogo. Não é fácil, mas precisamos conversar".

    Mauro Vombe - 25.jun.2015/Xinhua
    Joaquim Chissano (esq.), o presidente Filipe Nyusi (centro) e o ex-presidente Armando Guebuza celebram 40 anos da independência de Moçambique, em Maputo
    Joaquim Chissano (esq.), o presidente Filipe Nyusi (centro) e o ex-presidente Armando Guebuza celebram 40 anos da independência de Moçambique, em Maputo

    Joaquim Chissano, ex-presidente de Moçambique (1986-2005), apelou por uma mudança de atitude em uma carta aberta aos líderes africanos, no ano passado.

    "Já não podemos arcar com a discriminação contra pessoas com base em idade, sexo, etnia, situação migratória, orientação sexual, identidade de gênero ou qualquer outra base –precisamos desencadear o pleno potencial de todos", escreveu.

    "Como africano que está por aqui há muito tempo, compreendo a resistência a essas ideias. Mas também posso recuar e perceber que o curso mais amplo da história humana, especialmente nos últimos cem anos ou pouco mais, envolve a expansão dos direitos e liberdades humanos", afirmou.

    Relacionamentos homossexuais são ilegais em 36 dos 54 países do continente, de acordo com a Anistia Internacional. E são passíveis de pena de morte no Sudão, na Nigéria e na Mauritânia.

    Declarações de oposição aos gays por de líderes políticos são comuns no Zimbábue e em Zâmbia, países vizinhos a Moçambique.

    Mas as organizações LGBT recentemente conquistaram vitórias judiciais que lhes permitiram registro oficial em Botsuana e no Quênia.

    No ano passado, a Comissão Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos aprovou resolução apelando aos líderes nacionais do continente que respeitassem os direitos humanos e a dignidade das pessoas LGBT.

    Graeme Reid, diretor do programa de direitos dos LGBT na Human Rights Watch, declarou que "temos visto avanços graduais rumo a uma maior igualdade na África subsaariana. Se contemplarmos o quadro geral dos últimos 25 anos e percebermos a força e resistência dos movimentos LGBT, isso é um sinal positivo. De certa forma, a homofobia que vemos é uma reação contra essa visibilidade ampliada".

    Ele acrescentou que "é difícil falar sobre um padrão geral, mas vimos desdobramentos positivos nos últimos 18 meses".

    Peter Tatchell, veterano ativista dos direitos humanos e dos direitos dos gays, disse, sobre a lei de Moçambique: "É um desdobramento maravilhoso em meio às medidas antigays muitas vezes regressivas que vêm sendo adotadas em alguns países africanos, como Nigéria, Camarões, Uganda e Gâmbia".

    "A descriminalização é resultado de esforços longos e pacientes de lobby pelos ativistas LGBT de Moçambique e por seus aliados africanos. Esse é o primeiro passo para uma proteção legal mais ampla aos LGBT de Moçambique e para que organizações LGBT recebam reconhecimento formal e status consultivo junto ao governo", acrescentou.

    Tatchell disse também que "o padrão é muito desigual na África. A África do Sul lidera, Moçambique deu o primeiro passo na mesma direção, mas a maioria dos demais países africanos continua a criminalizar relacionamentos homossexuais e muitas vezes ignora a violência homofóbica, bifóbica e transfóbica. Os defensores dos direitos humanos dos LGBT estão em constante risco de prisão e de violência coletiva na maioria dos países africanos".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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