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    Migração urbana na China deixa 70 milhões de crianças longe dos pais

    JOHANNA NUBLAT
    EM PEQUIM

    04/07/2015 02h00

    Wang Suli, 39, vive há seis anos longe da única filha, que hoje tem 17 anos e estuda na cidade de origem da família, na Mongólia Interior (Norte do país).

    Elas se falam por telefone todo dia, mas se encontram duas vezes por ano.

    Wang, que é empregada doméstica, mudou-se com o marido e a filha para Pequim em 2005, em busca de trabalho e renda maior.

    Mas, com o alto custo da escola na capital, a menina voltou à cidade natal para viver com a avó.

    Hoje, a filha de Wang integra um exército de quase 70 milhões de crianças –uma em cada quatro pessoas no país de até 17 anos– deixadas para trás por causa da urbanização das últimas décadas e do rígido controle migratório instituído na China.

    O número praticamente triplicou na década passada.

    A maior parte, ou 61 milhões, está na área rural. Para estas, a estimativa que uma federação de mulheres fez em 2013 é que 53% estejam longe do pai e da mãe e que a maior parte viva com os avós.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Em junho, o país ficou chocado com a morte de quatro irmãos que viviam sozinhos em uma vila da província de Guizhou, no sul, depois que a mãe mudou de cidade para trabalhar e o pai deixou a casa.

    Segundo a agência Xinhua, as crianças, de 5 a 13 anos, ingeriram pesticida.

    A mãe das crianças, analfabeta, partiu em busca de emprego numa província mais rica e temia sofrer violência doméstica caso voltasse. O pai mandava dinheiro para o filho mais velho.

    Apesar de outros países da região, como Filipinas e Tailândia, também terem elevados percentuais de crianças afastadas dos pais, o caso da China é único pelo vínculo com o controle que o governo tem da migração interna, explica Ron Pouwels, chefe do setor de proteção à criança do Unicef China (braço da Organização das Nações Unidas para a infância).

    REGRAS

    Os chineses estão vinculados ao local de origem da família. Caso migrem para outra cidade e não consigam transferir seu registro de residência –algo difícil quando a mudança é para as principais cidades–, benefícios como saúde e educação podem se tornar muito caros.

    Pouwels lembra que, além do registro, a vida na cidade é cara e, às vezes, em condições desfavoráveis. "É preciso ver onde os pais são empregados. Se é na construção civil, podem viver na obra."

    Segundo o Unicef, o aumento de "crianças deixadas para trás" foi mais intenso na China de 2000 a 2005 e perdeu fôlego de 2005 a 2010, último dado disponível.

    De 22,9 milhões em 2000, passou para 69,7 milhões em 2010.

    Tentando resolver tais problemas, a China anunciou em 2014 uma reforma no sistema de registro de residências, o "hukou", que pode favorecer a migração para algumas cidades grandes –mas não abarca Pequim e Xangai.

    Pouwels também cita a tentativa em curso de garantir educação a custos baixos para as crianças que migram.

    Essas medidas, porém, só amenizariam o problema no longo prazo. Para já, avalia o representante do Unicef, é preciso fortalecer a estrutura local de amparo, seja ajuda financeira, seja psicológica.

    Chien-Chung Huang, diretor do Centro de Pesquisas Huamin (Universidade Rutgers, EUA), concorda. "O 'hukou' é a principal barreira para essas crianças e os pais que migram. É improvável, no entanto, que o sistema mude no futuro próximo, devido ao controle populacional nas grandes cidades", afirma.

    "No meio tempo, o governo pode ampliar os recursos para educação, permitir que as crianças que migram frequentem a escola e melhorar o apoio do serviço social."

    Após a tragédia em Guizhou, o premiê, Li Keqiang, pediu a apuração de responsabilidades e exortou as autoridades a trabalharem juntas para apoiar os migrantes.

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