• Mundo

    Wednesday, 01-May-2024 21:58:15 -03

    Autor de ataque na Tunísia não é cria de radicais, diz líder islamita

    DIOGO BERCITO
    ENVIADO ESPECIAL A TÚNIS

    05/07/2015 03h05

    Rashid Ghannouchi, 74, parece cansado de responder. Fundador de um dos principais partidos do país, o islamita Ennahda, e um dos veteranos do pensamento político do islã, Ghannouchi é um dos líderes aos quais tunisianos se voltam para perguntar: o que deu errado?

    Ele recebeu a Folha em seu escritório na capital, Túnis. Para Ghannouchi, o atirador que matou 38 pessoas em uma praia tunisiana em 26 de junho não é filho da Primavera Árabe nem dos movimentos radicais que se expandiram na Tunísia nos últimos anos, mas sim uma cria da ditadura derrubada em 2011.

    Ghannouchi viu o Ennahda vencer as eleições, formar um governo e, em meio a crises políticas e econômicas, ser alvo de protestos. Após impasse político entre 2013 e 2014, o partido deixou o poder, abrindo caminho a um gabinete tecnocrata.

    Fethi Belaid - 23.fev.2012/AFP
    Ghannouchi fala em congresso do Ennahda em Túnis, em 2012
    Ghannouchi fala em congresso do Ennahda em Túnis, em 2012

    Somada ao golpe que derrubou o islamita Mohammed Mursi no Egito, a saída do Ennahda representou, para alguns, o fracasso do islã político. Mas, para Ghannouchi, o partido teve sucesso.

    "Se a democracia ainda existe, e essa é a essência do modelo tunisiano, então não falhamos. Esse era nosso objetivo." Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

    *

    Folha - Qual é a situação da Tunísia hoje?

    Rashid Ghannouchi - O país está relativamente seguro e estável. Mas, obviamente, o que aconteceu [em 26 de junho] foi um ato criminoso. Houve uma falha na segurança. O governo está tentando entender qual foi a falha, para lidar com isso de maneira que não aconteça outra vez.

    Que tipo de ideologia o autor do atentado representa?

    O Estado Islâmico reivindicou a responsabilidade por esse ato criminoso. Como se sabe, essa organização afirma representar o islã como uma ideologia. Mas acreditamos que a sua interpretação do islã seja pervertida, contrária a uma religião baseada na misericórdia, na paz, na coexistência e na justiça.

    Como esse tipo de pensamento chegou à Tunísia?

    Esse jovem é produto não da revolução, mas da era de Ben Ali [ditador deposto em 2011]. Nasceu e cresceu nesse período, e foi educado nele. Havia uma marginalização da principal corrente moderada islâmica, que representava um entendimento moderado do islã. Esse vácuo foi preenchido por uma versão exportada pela internet e pela TV de satélite, sendo adotada por jovens. Hoje, a maioria desses jovens é radicalizada pela internet e pelas mídias sociais.

    O governo anunciou o fechamento de 80 mesquitas ditas irregulares, mas o sr. diz que essa radicalização não acontece em mesquitas.

    Não há provas de que essas mesquitas tenham sido usadas por extremistas. O que foi dito é que essas mesquitas não seguem os procedimentos normais. É por isso que têm de ser fechadas, para não serem usadas ilegalmente. Estão infringindo a lei, devido à maneira como funcionam.

    O sr. concorda com o controle estatal das mesquitas?

    Pela Constituição, o Estado regulamenta as mesquitas.

    O sr. tem medo de que haja outros ataques no país?

    Obviamente, existe a possibilidade. Para que não se repita, temos de atacar as causas que estão na raiz desses fenômenos. Alguns são fatores socioeconômicos. O extremismo tem desenvolvimento em áreas que sofrem de pobreza. Outro fator é a educação. Temos de educar as pessoas jovens na maneira com que entendem o islã.

    O que o governo pode fazer?

    O governo precisa garantir emprego aos jovens. O responsável por esse crime horrendo vinha de uma das áreas mais pobres do país. A revolução começou nessas áreas, e depois de anos os jovens ainda não veem nenhuma mudança real nas suas vidas. Políticos estiveram ocupados construindo o marco para o novo governo constitucional, mas a parte sócio-econômica esteve como uma segunda prioridade.

    Houve, então, um equívoco de seu partido quando estava no poder?

    A revolução destruiu o sistema político, que era baseado no governo de um homem só e num Estado policial. Precisamos de um novo sistema, democrático e multipartidário. Isso precisa ser feito em cooperação com os diversos atores políticos. É necessário haver discussões para chegar ao consenso. Tivemos sucesso nisso. Mas todo Estado, após uma revolução, sofre algum tipo de fraqueza. Precisamos de tempo para que a estabilidade seja garantida pela democracia.

    O islã político fracassou na Tunísia e no Egito?

    Se a democracia ainda existe, e essa é a essência do modelo tunisiano, então não falhamos. Esse era nosso objetivo. Acreditamos, na verdade, que tenhamos tido algum sucesso. É por isso que se fala em "exceção tunisiana". O marco da Primavera Árabe surgiu na Tunísia e conseguimos preservá-lo.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024