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    Governo Putin reprime russos convertidos ao islã

    DAVID M. HERSZENHORN
    DO "NEW YORK TIMES"
    EM ERZURUM, NA TURQUIA

    11/07/2015 02h00

    Quando era adolescente em São Petersburgo, Maksim Baidak andava na companhia de neonazistas e nacionalistas de direita. Apesar disso, os serviços de segurança russos geralmente o deixavam em paz.

    Foi apenas quando ele encontrou Deus, converteu-se ao islamismo e se tornou líder muçulmano que passou a ser alvo de vigilância quase constante.

    Vasily Maximov/AFP
    Muçulmanos russos rezam em rua próxima a mesquita em Moscou, em outubro de 2014
    Muçulmanos russos rezam em rua próxima a mesquita em Moscou, em outubro de 2014

    Numa manhã de 2013, comandos mascarados de uma unidade especial de contraterrorismo o prenderam. Baidak foi interrogado durante dois dias, às vezes com a cabeça coberta por um capuz preto. Ele diz que foi torturado com choques elétricos, estrangulamento e ameaças de morte.

    "Fui preso como terrorista", disse Baidak, 28, que hoje vive em Erzurum, no nordeste da Turquia. "Sou ativista político, de orientação pró-democrática e sufista, mas fui preso como se fosse, sei lá, Bin Laden."

    A Rússia convive há anos com o medo de um levante extremista islâmico dentro de suas próprias fronteiras, especialmente no Cáucaso, onde travou duas guerras para reprimir separatistas muçulmanos.

    Para a Rússia do presidente Vladimir Putin, russos étnicos de origem eslava (como Baidak) que se convertem ao islamismo representam uma ameaça especialmente subversiva, porque contestam a identidade nacional cristã ortodoxa que Putin vem usando para unir o país.

    O governo também teme que muçulmanos de etnia russa unam forças com outros setores anti-Kremlin, incluindo nacionalistas, grupos pró-democracia e organizações de defesa dos direitos dos gays.

    "Trabalhei com a sociedade LGBT. Parece inacreditável, para um muçulmano, certo?", disse Baidak, aludindo ao grupo Islamic Civil Charter (Carta Civil Islâmica), hoje proibido na Rússia. "Se eles são agentes da liberdade e nós também lutamos pela liberdade, lutamos por valores comuns."

    Os serviços de segurança russos não estavam dispostos a deixar que isso acontecesse.

    Foi lançada uma repressão agressiva, levando à prisão de muitas pessoas não apenas na região do Cáucaso, predominantemente muçulmana, mas também em toda a Rússia europeia e, em direção norte, até Nory Urengoi, onde neste ano as autoridades demoliram um prédio que abrigava uma mesquita e uma pré-escola islâmica.

    A pressão exercida pelos serviços de segurança provocou uma onda de refugiados que buscam segurança e liberdade religiosa, especialmente na Turquia e nos Emirados Árabes Unidos.

    Líderes muçulmanos e defensores dos direitos humanos dizem que a abordagem muitas vezes brutal da Rússia fez crescer a atração exercida pelo Estado Islâmico. De acordo com autoridades russas, centenas de muçulmanos russos partiram para a Síria recentemente.

    Para os muçulmanos moderados que deixaram o país, um obstáculo que dificulta a obtenção de asilo político ou até de assistência mais básica dos serviços sociais vem sendo o fato de algumas autoridades ignorarem a própria existência de muçulmanos eslavos.

    A vigilância agressiva imposta pelos serviços de segurança russos aos muçulmanos convertidos se baseia em parte na ideia de que eles teriam maior probabilidade de aderir ao extremismo e cometer ataques terroristas.

    Muitos convertidos aderem ao movimento salafista do islamismo sunita, frequentemente vinculado (mesmo que injustamente) ao extremismo, pelo fato de defender práticas religiosas mais ortodoxas. No entanto, defensores dos direitos humanos dizem que os serviços de segurança russos muitas vezes perseguem inocentes.

    As estimativas quanto à população muçulmana russa variam entre 16 milhões e 20 milhões de pessoas. Grigory A. Mavrov, 35, se converteu ao islamismo e hoje vive com sua mulher em Istambul. Ele ajudou a fundar dois grupos muçulmanos hoje proibidos na Rússia e já foi detido três vezes. No ano passado, foi detido na Turquia a pedido da Rússia e recebeu ordem de deportação. Mavrov espera receber asilo político na Turquia ou em outro país.

    "Nossas atividades eram pacíficas", falou Mavrov. "Não tínhamos nenhuma ligação com extremistas. Não tínhamos na época e não temos agora, é claro."

    "Moscou não quer estruturas ou organizações independentes no país. Moscou precisa controlar tudo. O que não controla, vê como inimigo."

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