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    Acordo de paz na Bósnia cristalizou divisões violentas

    RENATA SUMMA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE SARAJEVO

    11/07/2015 02h00

    O massacre em Srebrenica foi a materialização mais violenta da tentativa de uma nova reconfiguração espacial da Bósnia. Srebrenica é a maior expressão da lógica da guerra no país de 1992 a 1995, que visava consolidar espaços étnico-nacionais homogêneos.

    O país hoje tem uma estrutura etnoterritorial que nunca teve antes. A Bósnia foi um verdadeiro mosaico de culturas, onde croatas (católicos), sérvios (cristãos ortodoxos) e "bosniaks" (muçulmanos) viviam nas mesmas regiões.

    No período do regime socialista iugoslavo (1945-1992), as identidades etnonacionais não eram o fator mais importante de organização social, sobretudo nas cidades.

    Único episódio da guerra reconhecido como genocídio por duas cortes da ONU, Srebrenica não foi um caso isolado. Em Prijedor, no noroeste do país, em 31 de maio de 1992, um decreto obrigava os não sérvios a marcarem suas casas com bandeiras brancas e usarem uma faixa no braço.

    Foi o primeiro dia de uma campanha de extermínio que resultou em execuções, campos de concentração, estupros e a retirada de mais de 94% dos muçulmanos e croatas da cidade. Houve operações violentas em outras partes do território. Um novo termo surgiu: "limpeza étnica".

    Passados 20 anos, os efeitos da "limpeza étnica" estão explícitos nas divisões políticas e geográficas da Bósnia. Os acordos de Dayton, que puseram fim à guerra em 1995, cristalizaram no mapa conquistas territoriais obtidas por violência sistemática.

    O país foi dividido em duas entidades praticamente do mesmo tamanho: a Bósnia-Herzegóvina, atribuída a muçulmanos e croatas, e a República da Sérvia. Srebrenica e Prijedor, por exemplo, ficaram com esta última.

    A estrutura dos acordos de Dayton, que institucionaliza divisões etnonacionais, é considerada o principal motivo dos impasses políticos e da crise econômica que paralisam a Bósnia, onde o desemprego formal gira em torno dos 40% (60% entre jovens).

    As divisões também estão presentes em outras esferas. Cada grupo tem seu próprio currículo escolar, apesar de muitas vezes dividirem o mesmo prédio. Em casos mais extremos, edifícios têm entradas separadas. O sistema já foi considerado "discriminatório" pela Justiça, mas as reformas avançam lentamente.

    Dayton também foi considerado inconstitucional pela Corte Europeia de Direitos Humanos por discriminar minorias estabelecendo que só autodeclarados "sérvios", "croatas" ou "bosniaks" podem se candidatar a cargo político.

    Especialistas e a própria população veem necessidade de reforma, mas os partidos que se alimentam do discurso étnico pouco fazem para modificar a situação.

    Nos últimos dias, foi em torno de Srebrenica que a classe política rachou. No fim de semana, o presidente da República Sérvia da Bósnia, Milorad Dodik, disse que o genocídio em Srebrenica era uma "mentira".

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