• Mundo

    Monday, 06-May-2024 05:18:53 -03

    Festival evangélico em Nova York prevê atrair 60 mil pessoas

    LIZ ROBBINS
    DO "NEW YORK TIMES"

    11/07/2015 07h00

    As paredes azuis do antigo teatro de vaudeville se sacudiam com a força da fé, domingo de manhã em Corona, Queens. Cerca de 600 fiéis haviam se unido à banda latina, cantando, agitando seus pandeiros, erguendo as mãos e estendendo os pescoços em um momento de êxtase elétrico.

    A audiência repleta se aquietou quando o pastor, Victor Tiburcio, subiu ao palco, diante de um pano de fundo pintado para se assemelhar à paisagem da cidade de Nova York e iluminado como um estúdio de talk show.

    Mas o que parecia um palco era na verdade o altar da megaigreja pentecostal Aliento de Vida, que Tiburcio e a mulher, Hattie, ambos imigrantes provenientes da República Dominicana, abriram em Queens 12 anos atrás.

    Tiburcio tinha uma mensagem importante para a congregação. "Teremos ingressos para todos", ele disse em espanhol, causando aplausos renovados.

    Os ingressos gratuitos eram para um festival que acontece neste sábado (11) no Central Park com a presença de Luis Palau, uma das principais figuras do cristianismo evangélico mundial, e o evento deve atrair 60 mil pessoas ao Great Lawn.

    Há meses o evento vem sendo promovido não só em igrejas mas em outdoors, no rádio e no metrô, prometendo ser o maior encontro de cristãos evangélicos em Nova York desde que o reverendo Billy Graham liderou uma cruzada em Queens dez anos atrás.

    O tamanho do festival contradiz a reputação laica da cidade e depõe quanto ao vibrante movimento evangélico nova-iorquino. O fenômeno é propelido primordialmente por igrejas comandadas por imigrantes que proliferam nos distritos em torno de Manhattan.

    Quase 900 das 1,78 mil igrejas que participam do festival são hispânicas, dizem os organizadores. Foram os líderes latinos que convidaram Palau –um simpático imigrante argentino, grisalho e bilíngue, que criou reputação como uma espécie de Billy Graham hispânico–, mas líderes de igrejas negras e dirigidas à população de origem coreana não demoraram a se envolver no planejamento.

    O evento de seis horas deve destacar o sabor das múltiplas denominações e etnias que formam o cristianismo evangélico de Nova York e dos subúrbios da cidade, atraindo centenas de igrejas cujos membros provêm do Caribe, África e Ásia.

    "O que o festival Palau vem conseguindo fazer é catalisar um crescente movimento de vozes cristãs presentes na cidade", disse Gabriel Salguero, pastor de uma igreja multiétnica em Chinatown, Manhattan, e presidente da Coalizão Evangélica Latina dos Estados Unidos. O evento representa, ele acrescentou, "a maioria dos imigrantes evangélicos de Nova York".

    Que o evento aconteça no mais celebrado parque de Manhattan, hoje em dia raramente usado para encontros religiosos, atesta a influência ampliada dos evangélicos na vida cívica. "Eles agora podem dizer que formam uma das câmaras centrais no coração da cidade", disse Tony Carnes, sociólogo responsável pelo diário online "uma jornada pelas religiões de Nova York".

    'FOME ESPIRITUAL'

    Palau, 80, já pregou em cem países, com uma mensagem acessível e apolítica de fé e salvação pessoal. Ele já manteve discussões amistosas com o papa Francisco, também argentino, que em setembro fará sua primeira visita papal a Nova York, onde a Igreja Católica perdeu membros para as congregações evangélicas.

    Mas foi Graham que se tornou um mentor para Palau, meio século atrás. Palau trabalhou como intérprete para ele antes de fundar uma igreja, com a ajuda do pastor norte-americano.

    Graham foi o último líder evangélico a pregar no Great Lawn do Central Park, em 1991, perante uma plateia estimada em 250 mil pessoas –restrições adotadas posteriormente pelo Departamento de Parques limitaram o público autorizado no local a 60 mil pessoas.

    Ainda que Graham sempre parecesse bem acomodado a Nova York, Palau preferiu não realizar grandes eventos religiosos na cidade, em parte porque a considerava grande demais para organizar facilmente e muito apática em termos religiosos.

    "O mundo pensa, e eu mesmo costumava pensar, que Nova York é completamente laica", disse Palau em entrevista recente. A opinião dele mudou depois de uma estadia de dois meses na cidade, em reuniões com igrejas para preparar o festival. "Há uma fome e um desejo de falar sobre coisas espirituais, o que me surpreendeu em Nova York", ele disse.

    O recente crescimento das religiões evangélicas é perceptível mas difícil de quantificar. De acordo com Carnes, a cidade abriga de 1,2 milhão a 1,6 milhão de evangélicos, o que segundo ele representa 22% de crescimento de 2000 para cá.

    Para chegar a essa estimativa, ele sintetizou diversos estudos, entre os quais o Atlas dos Valores Americanos e trabalhos do Pew Research Center, e extraiu informações do banco de dados de 6.600 igrejas que ele mantém para seu diário.

    Salguero, da coalizão evangélica, diz que imigrantes da América Latina, África e Ásia –onde os pentecostais estão desafiando os católicos na conquista de novos adeptos– encontram conforto em uma atmosfera conhecida, em Nova York. "Temos um estilo de liturgia e culto que apela a Juanita e Juan Doe", ele disse. "É animado, passional, e reflete algumas das culturas das quais essas pessoas provêm".

    Barry Deonarine, 46, advogado de defesa cuja família vem de Trinidad e Tobago, se tornou fiel da Aliento de Vida em Queens porque disse que desejava uma experiência mais íntima de fé. "Esse é o tipo de igreja evangélica que você encontra na América Latina", ele disse. "Eles atendem às necessidades das pessoas que não têm poder, não têm recursos".

    Laura Vicuna, 45, garçonete nascida no Equador, se sentiu tão comovida depois de ouvir na Aliento um sermão ardoroso de um pregador pentecostal itinerante que por breve instante abandonou as palavras e se comunicou em uma linguagem incompreensível, teve de abanar o rosto marcado pelas lágrimas e, ao final da pregação, fez duas doações à igreja.

    A igreja tem dois mil membros de 30 países, muitos dos quais a procuram para fins práticos, além dos espirituais, por exemplo aulas de inglês e assistência judicial.

    "Eles precisam de educação, de orientação, de tudo", disse Tiburcio. "Muitos realizaram o sonho americano, mas outros são clandestinos. Não têm green cards, não têm muitas coisas. Como igreja, nós os ajudamos".

    EXPANSÃO

    Tiburcio e a mulher criaram a igreja em Brooklyn, com dez membros. Depois de alguns anos, o casal expandiu suas atividades a Queens, promovendo cultos em pequenos hotéis antes de se transferirem ao velho teatro Corona Plaza, em 2006. De lá para cá, criaram novas igrejas em Staten Island, na Flórida, na República Dominicana e na Colômbia.

    Hoje, a Aliento de Vida tem uma rede de televisão, que transmite os cultos da igreja de Queens ao vivo. Membros da igreja participaram de eventos preparatórios e de projetos de serviço relacionados ao festival deste final de semana. "Trabalhamos nisso por dois anos", disse Tiburcio.

    Os projetos de serviços é que diferenciam o festival de Palau das campanhas de Graham. Kevin, o filho de Palau, presidente da Luis Palau Association, criou uma iniciativa de ação social, baseada em um projeto iniciado em Portland, Oregon, em 2008, e levado a cidades como Anchorage, Alasca; Houston; e Sacramento, Califórnia.

    Cerca de 300 igrejas de Nova York trabalharam com escolas locais a fim de reparar edificações e oferecer empregos a adolescentes ou organizaram eventos comunitários de promoção da saúde e assistência judicial, disse Kevin Palau.

    Mullery Jean-Pierre, nascido no Haiti e pastor da Igreja Batista Beraca, em Brooklyn, disse que o festival deu a eles "a oportunidade de atrair a participação de pessoas que costumavam simplesmente ficar sentadas nos bancos da igreja".

    Luis Palau disse que os mais jovens "hoje em dia se dedicam com força à prestação de serviços, e isso é bom, desde que você não vá longe demais e não esqueça que há uma mensagem nisso".

    E a mensagem é sobre a salvação de almas.

    "Três mil pessoas vieram ao Senhor; como se pode ter uma comunidade melhor?", perguntou o pastor John Boyd 2º, da New Greater Bethel Ministries, em seu culto do domingo passado em Jamaica, Queens.

    Palau corrigiu o número de pessoas que haviam aderido à fé antes do festival: "São 5.000".

    Mais tarde, Palau subiu ao púlpito diante de 200 fiéis, quase todos negros, que haviam assistido a uma longa noite de cantores de gospel, balé, um imitador de Satanás e um rapper cristão. Vestido como se fosse um motorista de ônibus, de calça cinza e uma camisa azul de manga curta, Palau exclamou, causando risadas: "Lá vem o vovô!"

    Ele contou como se converteu, aos 12 anos de idade em um acampamento de verão na Argentina. Disse aos fiéis que, ao aceitar Jesus Cristo, seus pecados seriam esquecidos –mas que suas sogras nunca esqueceriam.

    Deixando de lado o humor, a mensagem dele era simples.

    "Ele não fica gritando, vociferando; vai direto ao ponto", disse Tracy Williams, 47. Ela disse que ouvi-lo "me faz sentir reconfortada". Williams ouviu Palau pela primeira vez alguns meses atrás, e depois se apresentou como voluntária para distribuir panfletos sobre o festival.

    Imelda Garcia, imigrante que se transferiu de El Salvador aos Estados Unidos 20 anos atrás, já conhecia Palau de nome desde a infância. Ela e seus correligionários vieram de Long Island com os filhos para ouvir o pastor. Mas tiveram de sair antes que ele pregasse, porque já era muito tarde.

    O evento do sábado, que deve começar às 16h, contará com a presença do rapper cristão TobyMac e da cantora de gospel Mandisa, além de convidados como Mariano Rivera, ex-jogador do New York Yankees cuja mulher, Clara, é pastora e fundou a igreja Refuge of Hope, no Bronx.

    Palau deu à sua audiência em Queens uma prévia do seu sermão: "Quando eu for ao Central Park", ele disse, com um sorriso largo, "vou falar do paraíso".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024