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    Congregação judaica de NY celebra casamentos gays e enfrenta protestos

    THAIS BILENKY
    DE NOVA YORK

    12/07/2015 02h00

    Na noite gelada e chuvosa de sexta-feira, 9 de fevereiro de 1973, dez homens judeus se encontraram numa igreja cristã em Nova York às 20h. Foram recebidos por um outro judeu, de origem indiana, que carregava velas, um candelabro e uma chalá (pão tradicional judaico).

    Estavam prestes a celebrar o primeiro Shabat (serviço religioso celebrado às sextas-feiras) oficialmente gay da história - "oficialmente gay", porque assim "decretou" o indiano em um anúncio de jornal que convidava interessados para o evento.

    Na noite quente e abafada de sexta-feira, 26 de junho de 2015, 600 pessoas se encontraram na mesma igreja para celebrar o Shabat.

    Outros tempos: estavam ali para também comemorar a decisão proferida pela Suprema Corte dos Estados Unidos naquela manhã que legalizou a união gay no país.

    A bem da verdade, a congregação que resultou daquele primeiro encontro, hoje chamada Beit Simchat Torah, já oficializava casamentos entre pessoas do mesmo sexo havia muito tempo –cerca de 12 por ano. Mas o momento era uma vitória inequívoca para seus membros.

    Ativistas dos direitos civis e religiosos da comunidade LGBT, eles continuaram a comemoração no domingo seguinte (28), na Parada do Orgulho Gay, desfilando com chupás nas cores do arco-íris.

    Não poderia ser mais simbólico: a chupá é a tenda debaixo da qual se celebra matrimônios judaicos. E as cores do arco-íris representam o movimento gay.

    A rabina principal da sinagoga, Sharon Kleinbaum, costuma dizer que aqueles 11 homens começaram uma revolução em 1973. E esse processo ainda está em curso.

    Quarenta e dois anos depois, a Beit Simchat Torah ainda realiza cerimônias na mesma igreja onde tudo começou, um templo que historicamente acolhe grupos de diferentes origens e crenças.

    A sede própria da Beit Simchat Torah está em construção e deverá ser inaugurada no final do ano. E, ainda que a congregação tenha a cada ano mais membros, homo e heterossexuais, não deixa de enfrentar protestos dentro e fora da comunidade religiosa.

    EMBATES

    Seus membros já foram vítimas de atos de hostilidade de grupos conservadores que não os consideram judeus.

    A Organização Ortodoxa Judaica, que reúne mil congregações americanas, afirmou, em nota, que condena a discriminação de indivíduos, mas que "a nossa religião é enfática em definir casamento como uma relação entre homem e mulher. Nossa crença é inalterável".

    A oposição não é restrita à esfera da fé. Encontra eco na mesma Suprema Corte que, por 5 votos a 4, determinou que o casamento gay é direito assegurado pela Constituição.

    "[A legalização] será usada para difamar os americanos que não querem assentir com esse novo tipo de ortodoxia", escreveu, em seu voto, um dos quatro ministros contrários, Samuel Alito.

    "Esse entendimento de casamento, focado quase que inteiramente na felicidade das pessoas que escolhem se casar, é compartilhado por muita gente hoje, mas não é o entendimento tradicional. Durante milênios, casamento era, inextricavelmente, ligado ao que apenas casais de sexo oposto podem fazer: procriar", contestou Alito.

    "Há muitas maneiras de se interpretar a tradição", responde a rabina-assistente da Beit Simchat Torah, Rachel Weiss. "E isso muda ao longo do tempo, de acordo com o que acontece no mundo."

    Assim como a pena de morte, a condenação da homossexualidade também deixou de se enquadrar no texto sagrado, compara Weiss.

    "Toda pessoa é criada à imagem de Deus, e sabemos que ser gay ou lésbica não é uma escolha, é o que somos. O judaísmo preza a dignidade das pessoas e aceita que amemos e sejamos quem somos."

    SINAGOGAS NO BRASIL

    No Brasil, também existem sinagogas afiliadas aos movimentos que chancelam o casamento gay, afirma o rabino paulistano Michel Schlesinger.

    A Congregação Israelita Paulista, na qual ele atua e uma das maiores do país, adota interpretação mais tradicional.

    "Penso que as sinagogas devem acolher com dignidade os casais homossexuais e buscar um espaço ritual para a celebração de sua união. A liturgia tradicional de um casamento judaico foi composta para um casal heterossexual e portanto, em minha opinião, não se aplicaria a um matrimônio gay", afirma Schlesinger.

    No limite, cabe ao cidadão decidir qual templo frequentar. E o veredicto está nos fatos, diz Weiss: "Enquanto sinagogas nos Estados Unidos estão morrendo, a nossa só cresce", comemora.

    E cresce literalmente: depois dos anos 1990, quando tornou-se mais acessível a casais gays adotarem crianças nos Estados Unidos, membros da sinagoga começaram a trazer seus filhos para os rituais. A Beit Simchat Torah, então, expandiu suas atividades. Hoje oferece cursos religiosos, convivência comunitária e, importante, acaba sendo o ponto de partida de histórias de amor.

    Carley Gooley, 25, foi criada como cristã, mas sempre quis se converter ao judaísmo. Tomou coragem quando começou a namorar uma menina judia que queria companhia para ir à Beit Simchat Torah.

    Usando quipá (solidéu), ela se considera sortuda por poder "transformar toda a minha vida. Sem essa sinagoga, não teria sido possível".

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