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    Em entrevista, candidata à Casa Rosada critica Cristina e opositores

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    16/07/2015 07h44

    Mesmo com poucas chances de chegar à Casa Rosada, a candidata Margarita Stolbizer, 60, tem sido voz importante na corrida presidencial argentina, cuja largada ocorre no próximo dia 9 de agosto.

    Ex-integrante da tradicional União Cívica Radical, a deputada vem amealhando apoio de eleitores do partido que se opõem à aliança firmada com o direitista Mauricio Macri (PRO) e de intelectuais progressistas, como a ensaísta Beatriz Sarlo, que se declaram não representados pelas três candidaturas que estão à frente da disputa.

    A eloquente Stolbizer também tem apontado o dedo para supostas irregularidades cometidas pela presidente Cristina Kirchner e pediu à Justiça a investigação das denúncias de lavagem de dinheiro relacionadas aos hotéis de propriedade da família Kirchner, na Patagônia.

    Com pouco mais de 3% das intenções de voto, Stolbizer reconhece que suas possibilidades são reduzidas, mas reforça a importância de manter sua candidatura, diante da falta de opções progressistas no atual quadro de disputa.

    Reprodução/Facebook/Margarita Stolbizer
    A candidata à Casa Rosada Margarita Stolbizer posa para foto com jovens na Argentina
    A candidata à Casa Rosada Margarita Stolbizer posa para foto com jovens na Argentina

    Quem lidera as pesquisas de intenção de voto é o governista Daniel Scioli (36%), um peronista de vertente distinta do kirchnerismo, mas recentemente apontado por Cristina como seu candidato. Em segundo lugar, está o direitista Mauricio Macri (32%), prefeito da cidade de Buenos Aires, que deve concentrar o voto anti-kirchnerista.

    A votação ocorre em 25 de outubro, e desenha-se um inédito segundo turno, que ocorreria em 30 de novembro.

    Em entrevista à Folha, por telefone, Stolbizer critica não apenas a presidente, mas também seu ex-partido, a UCR, e Mauricio Macri. Leia, abaixo, os principais trechos.

    *

    Folha - O próximo presidente argentino terá de lidar com o agravamento da situação econômica, num panorama internacional menos favorável. Como enfrentaria o problema?

    Margarita Stolbizer - Primeiro, eu reveria a política de subsídios, que hoje está disseminada e que é uma distorção. Quem vive em bairros de alto ingresso econômico não paga quase nada por eletricidade, enquanto há um custeio de transporte que não beneficia o trabalhador, mas sim as empresas que proporcionam o serviço, muitas vezes de modo precário.

    Porém, creio que o problema mais sério que tem a Argentina hoje é a inflação (30% para consultoras independentes). O atual governo não a admite (o órgão verificador está sob intervenção) e não tem políticas para contê-la. É o que mais afeta a população e o que mais faz aumentar a pobreza (em torno de 25% da população).

    Qual sua proposta para a política externa? No Brasil, há certo ressentimento com o fato de a Argentina estar buscando se aproximar de outros países, descuidando da relação comercial com o vizinho.

    O Brasil é prioritário. Precisamos reconhecer sua liderança, enquanto o Brasil precisa de fato liderar.

    A atual política externa isolou a Argentina no continente, enquanto a aproxima de países que violam direitos humanos.

    Estamos ficando para trás em muitas coisas, uma delas é o acordo com a União Europeia, no qual o Brasil avança.

    Se for eleita, antes mesmo da posse mandarei uma comitiva aos países estratégicos para a Argentina, para redesenhar a relação com eles. O principal seria o Brasil.

    Por que considera sua candidatura diferente das outras?

    Estamos ocupando um lugar que estava vago. Nenhum dos candidatos com mais chances pode ser considerado progressista. Somos os únicos a falar de igualdade e de decência. Somos os únicos a ter um programa que trate de temas como direitos humanos e ambiente.

    O atual governo é considerado exitoso em sua política de direitos humanos, tendo ampliado e levado a cabo julgamentos dos crimes cometidos pela ditadura militar (1976-1983). Qual é sua proposta?

    Concordo que o governo teve sucesso, principalmente no que diz respeito aos julgamentos de crimes de lesa humanidade [crimes de Estado contra civis]. Mas não aprovo nem o uso político que fazem disso nem o modo como tentam vender a ideia de que foram eles, na gestão Néstor Kirchner [2003-07] que começaram a julgar os responsáveis pela repressão.

    Esquecem-se do Julgamento das Juntas, realizado durante o primeiro governo democrático, de Raúl Alfonsín (UCR), e de vários esforços e processos que existiram depois.

    Porém, mais importante que isso é que meu partido é o único, nessa disputa, que oferece uma continuidade aos processos. O candidato do governo, Daniel Scioli, não tem isso como uma prioridade.

    Também estamos propondo estender os julgamentos para o momento anterior ao golpe militar, ainda durante o governo de Isabel Perón [1974-76], quando havia repressão por parte da Triple A [esquadrão paramilitar que perseguia inimigos do regime]. Estes crimes não vêm sendo julgados.

    Ao aliar-se com Macri (PRO), a União Cívica Radical (UCR) está indo contra os fundamentos do partido?

    Sim, definitivamente. O "radicalismo" já não é o movimento que há 100 anos foi tão importante para realizar reformas políticas na Argentina.

    O próprio Raúl Alfonsín [da UCR, presidente entre 1983 e 1989] sempre lutou por uma social-democracia que jamais toleraria o apoio de um setor tão conservador como o que representa Macri.

    Não acho que não se devam fazer acordos com partidos de orientações distintas, mas jamais com uma força tão ideologicamente oposta.

    Também não gosto do modo como a UCR entregou a centralidade da aliança a Macri. Trata-se de um partido centenário e nacional, deveria liderar a aliança, não pode simplesmente desertar de seu papel.

    E qual o principal problema de Macri, na sua opinião?

    Trata-se de um político avesso a discutir ideias políticas. Aposta na bandeira da gestão em primeiro lugar, como se fosse possível prescindir da política para administrar.

    A crise que vive a UCR hoje está relacionada ao fim trágico das presidências de Alfonsín [passou o cargo ao sucessor, Carlos Menem, antes do fim do mandato, por conta de uma crise econômica] e de Fernando De la Rúa [renunciou, pela mesma razão, deixando a Casa Rosada num helicóptero]?

    Sim, é errado crer que a crise esteja relacionada apenas a atual conjuntura. Saí do partido em 2006, por discordar de certas aproximações. Depois desses casos, o radicalismo ainda apoiou [o economista] Roberto Lavagna [ministro da Economia de Néstor Kirchner] e [o empresário e político conservador] Francisco De Narváez.

    Curioso é que pareciam descabidos então, mas que perto do que a UCR está fazendo hoje não são nada.

    Creio que tudo se deve ao medo de perder postos de poder, são alianças feitas a qualquer custo, visando manter cargos. É muito triste que um partido com tanta história siga esse rumo.

    A corrupção tem sido grande tema no noticiário brasileiro, qual é a diferença entre a percepção da corrupção pela sociedade nos dois países?

    Creio que no Brasil está sendo muito diferente do que na Argentina. No Brasil está havendo cobrança por parte da sociedade. Aqui a sociedade a vem aceitando com muita cordialidade, é tolerante com ela no seu dia a dia. Fora da esfera judicial, a corrupção na Argentina não tem a repercussão devida.

    Você está na causa sobre a suposta lavagem de dinheiro no caso Hotesur. Como vê a atuação da Justiça?

    Há uma politização muito grande do processo. Nesta semana, Daniel Scioli fez críticas abertas ao juiz Claudio Bonadio [afastado do caso nesta quinta (16)]. Ou seja, deu claros sinais de que, se vencer a eleição, continuará agindo dessa forma intimidatória.

    Algumas pessoas dizem que se estabeleceu no poder o "macristinismo", que seria um modo de atuar pactuado das administrações municipal (Macri) com a federal (Cristina). Está de acordo?

    Sim, em várias áreas os dois acabam agindo de forma em que um beneficia o outro. Principalmente no que diz respeito ao grupo de empresários que atuam de forma muito próxima a ambos e que são os mesmos. É uma burguesia empresarial que se fortaleceu e tem se beneficiado de um governo que se diz populista.

    Apesar da crise econômica e de episódios como a morte misteriosa do promotor Alberto Nisman, Cristina Kirchner tem 50% de aprovação popular. Qual o segredo?

    Eu não creio nesses números. Ao mesmo tempo, há pesquisas que mostram que 70% dos argentinos querem que ela vá embora logo. A essa altura, já há um cansaço generalizado das pessoas com relação a seu estilo, à sua arrogância. Esse é um sentimento que vem crescendo.

    Como avalia a estratégia da presidente de colocar seu homem-forte, Carlos Zannini, como vice de Scioli?

    Está claro que Scioli nunca o escolheria por conta própria e que é uma maneira de Cristina ter um comissário político no próximo governo.

    Creio que Zannini pode limitar muito Scioli. Por outro lado, Cristina também já colocou um homem de sua confiança como vice-governador de Scioli na província (Gabriel Mariotto) e Scioli o dominou. Zannini é muito mais hábil que Mariotto, portanto é preciso ver como vai evoluir essa relação.

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