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    China avalia adotar política de dois filhos contra pressão demográfica

    TOM PHILLIPS
    DO "GUARDIAN"

    24/07/2015 11h23

    Após 35 anos da imposição de regras draconianas de controle da natalidade responsáveis por milhões de abortos forçados e pela criação de uma "bomba-relógio" demográfica, a China pode estar a ponto de introduzir uma nova política que autoriza dois filhos por casal.

    A nova regra pode ser implementada "já no final deste ano, se tudo correr bem", teria dito uma fonte do governo, de acordo com o jornal "China Business News".

    A altamente controversa política de um filho por casal, em muitos casos imposta com brutalidade, foi introduzida pelos líderes comunistas chineses em 1980 em meio ao medo de uma explosão populacional catastrófica.

    O governo calcula que a medida tenha prevenido 400 milhões de nascimentos, mas o custo humano foi imenso, com esterilizações e abortos forçados, infanticídio e um dramático desequilíbrio entre os sexos que significa que milhões de homens chineses jamais encontrarão parceiras.

    Johannes Eisele - 17.abr.2015/AFP
    Crianças brincam em escola em Rudong, província de Jiangsu
    Crianças brincam em escola em Rudong, província de Jiangsu

    Em 2012 —em um dos mais chocantes casos recentes de abusos dos direitos humanos relacionados à norma—, uma mulher de 23 anos, na província de Shaanxi, foi sequestrada pelas autoridades de planejamento familiar e forçada a abortar seu filho aos sete meses de gravidez.

    Liang Zhongtang, demógrafo da Academia de Ciências Sociais de Xangai, disse que a política deveria ter sido abolida muito tempo atrás.

    "A questão central não é um filho ou dois filhos, mas a liberdade de reprodução. É um caso de direitos humanos básico. No passado, o governo não era capaz de compreender a essência da questão", disse.

    Pequim agiu rapidamente para conter os rumores de que a norma de dois filhos por casal entraria em vigor até o final do ano.

    "Não há cronograma estabelecido para permitir que os casais do país passem a ter um segundo filho", insistiu a comissão nacional de saúde e planejamento familiar, de acordo com o estatal "China Daily".

    Lu Jiehua, professor de demografia na Universidade de Pequim, disse ao "Global Times" que era mais provável que a mudança viesse no ano que vem.

    "Não se trata simplesmente de implementar uma política que permitiria um segundo filho. Todas as normas, regulamentos, formalidades e instalações necessários precisam estar em funcionamento para apoiar [a política em questão], e isso demora."

    Liang disse que a aparente decisão de permitir dois filhos por casal foi propelida pela crescente oposição às leis de planejamento familiar.

    A Internet —à qual 650 milhões de chineses agora têm acesso— tornou mais visível e mais forte a hostilidade do público. Ele acrescentou que "o governo —sob crescente pressão do público— tem de responder às demandas do povo".

    BOMBA-RELÓGIO DEMOGRÁFICA

    Medidas para afrouxar as normas de controle da natalidade também servem como resposta à "bomba-relógio" demográfica criada pela política do um filho por casal.

    Os especialistas advertem que a população chinesa de 1,3 bilhão de habitantes está envelhecendo rapidamente, e que a força de trabalho está caindo.

    O país terá quase 440 milhões de pessoas com mais de 60 anos em 2050, de acordo com estimativas na ONU, o que pesará fortemente sobre os recursos do governo.

    Enquanto isso, a população em idade de trabalho —as pessoas entre os 15 e os 59 anos— caiu em 3,71 milhões de pessoas no ano passado —uma tendência que deve continuar.

    Se essa tendência não for revertida, "o futuro da economia da China vai parecer sombrio", disse Yi Fuxian, demógrafo e crítico escancarado da política de um filho por casal.

    Nos últimos anos, as leis de planejamento familiar chinesas passaram por um relaxamento gradual. Elas já permitiam que famílias de minorias étnicas e casais rurais cujo primeiro filho fosse uma menina tivessem mais de um filho.

    Desde 2013, casais de muitas regiões do país foram autorizados a ter dois filhos, se o pai ou a mãe fossem eles mesmos filhos únicos.

    No momento, muita gente não está disposta a ter mais filhos mesmo que seja encorajada a fazê-lo.

    A mídia estatal celebrou os resultados da mudança de política, apontando para os 470 mil nascimentos adicionais em 2014, ante o ano anterior.

    Mas o baby boom em pequena escala que as autoridades esperavam não se concretizou. Os especialistas dizem que o índice de natalidade não está crescendo com rapidez suficiente, e que dificuldades financeiras levam muitos casais urbanos a rejeitar ter um segundo filho.

    "É imperativo que haja mudança", disse Yi, cujo livro, "País Grande, Ninho Vazio", ataca as políticas chinesas de planejamento familiar.

    "A política do governo quanto a autorizar dois filhos por casal seletivamente provou ser um fracasso. Abandonar a norma de um filho por família é a única solução sensata para a crise populacional chinesa."

    Falando no começo do mês, Yang Wenzhiang, importante funcionário na área de planejamento familiar do governo chinês, admitiu que a China precisava "agir rápido para enfrentar o grande desafio demográfico que o país tem diante de si".

    Liang disse que a aparente decisão de Pequim de abandonar a norma de um filho por casal era um passo positivo, ainda que tardio. Mas mesmo a adoção plena da norma de dois filhos por casal, em nível nacional, pouco faria para reverter as tendências demográficas que já estão em curso.

    "No momento, muita gente não está disposta a ter mais filhos mesmo que seja encorajada a fazê-lo. Por isso, a introdução da política de dois filhos por casal pelo governo não terá tanto impacto", disse.

    No ano passado, a Academia Chinesa de Ciências Sociais alertou que a China estava perto de cair na chamada "armadilha da baixa natalidade", um círculo vicioso do qual países encontram dificuldade para escapar.

    Para o total estimado em 2 milhões de pais "órfãos" —aqueles que perderam o filho único que o Estado comunista os autorizou a ter—, a notícia da mudança iminente de política não trouxe grande consolo.

    Huo Daozhong, 58, da província de Henan, cujo filho único se matou em 2013, disse que "é tarde demais. Agora, a norma já não nos afeta em nada".

    A cada ano, cerca de 76 mil famílias se unem às fileiras daquilo que os chineses chamam de famílias "shidu", aquelas que perderam seu filho único.

    "Ele tinha 30 anos ao morrer. A sensação foi a do desaparecimento de todas as nossas esperanças", disse Huo sobre seu filho. "Nada mais importa. Estamos vivos, mas nos sentimos mortos por dentro."

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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