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    Em busca de asilo, refugiados viram alvo de ataques violentos na Alemanha

    JEAN-PHILIP STRUCK
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BONN

    29/07/2015 17h41

    Na madrugada de segunda-feira (27), o vereador Michael Richter estava em sua casa, em Freital, no Estado alemão da Saxônia, quando foi surpreendido com o som de uma explosão. Ao olhar pela janela, viu seu carro em chamas.

    Embora a polícia ainda não tenha determinado que se tratou de um atentado, o Die Linke (A Esquerda), partido de Richter, afirma que o episódio foi a culminação de uma série de ameaças que o político —conhecido por organizar eventos de apoio a refugiados— vem recebendo.

    Oliver Killig/AFP
    Refugiados são vistos na entrada de organização que recepciona quem busca asilo em Dresden
    Refugiados são vistos na entrada de organização que recepciona quem busca asilo em Dresden

    Freital, com 40 mil habitantes, assim como outras cidades alemãs, tem sido palco nas últimas semanas de uma série de protestos violentos contra a chegada de novos refugiados. Ao comentar o episódio, Richter disse que a cidade vive uma atmosfera de "pogrom".

    Desde o início de 2015, praticamente não houve um dia na Alemanha sem o registro de algum incidente envolvendo estrangeiros em busca de asilo.

    Entre janeiro e o final de junho, houve ao menos 202 crimes que tiveram como alvo abrigos de estrangeiros, segundo o Ministério do Interior.

    A marca já superou o número de incidentes de todo o ano de 2014. A polícia suspeita que pelo menos 85% dos crimes foram cometidos por grupos de extrema direita.

    A explosão nos crimes ocorre ao mesmo tempo em que o país registra o maior número de requerimentos de asilo em 20 anos.

    A maioria dos crimes envolve pichações e ameaças escritas que são deixadas nas portas de abrigos, mas houve ao menos 25 casos de violência física contra refugiados e disparos e incêndios que danificaram construções.

    Editoria de arte/Folhapress
    XENOFOBIAAlemanha vive escalada de crimes de ódio

    Em 18 de julho, um abrigo foi completamente incendiado em Remchingen. Um ataque semelhante ocorreu dois dias antes em Reichertshofen. Nos dois casos, os prédios ainda aguardavam a chegada dos refugiados e ninguém ficou ferido.

    No sábado (25), em Dresden, a capital da Saxônia, um protesto violento contra a abertura de um novo campo de refugiados organizado pela Cruz Vermelha deixou três feridos.

    O local formado por uma série de tendas vai abrigar mais de 700 pessoas. O diretor da Cruz Vermelha na Saxônia, Rüdiger Unger, afirma ter ficado chocado com a ação dos manifestantes, que atiraram pedras e garrafas.

    "Nunca tinha visto um ataque contra funcionários de uma organização humanitária em um país civilizado como a Alemanha", afirma. "Não quero pensar no que teria acontecido sem a intervenção da polícia."

    Segundo o diretor, o campo está sendo atualmente patrulhado por policiais porque grupos de extrema direita ainda continuam a se reunir nas redondezas. Também no sábado, quatro refugiados sírios foram espancados no Estado vizinho da Turíngia.

    XENOFOBIA ORGANIZADA

    Para Andreas Zick, professor do núcleo de estudos sobre violência da Universidade de Bielefeld, a tolerância dos alemães em relação aos estrangeiros aumentou nas últimas décadas.

    O problema é que, ao mesmo tempo, pequenos grupos neonazistas e xenófobos ficaram mais violentos e organizados. "Se isso continuar, teremos de falar sobre o surgimento de um movimento terrorista no país", afirma.

    Segundo Zick, esses grupos encontram caminho livre porque a sociedade e o governo alemão ainda são tolerantes demais com os xenófobos e muitos continuam ignorantes em relação aos refugiados.

    Enquanto estigmas contra mulheres e homossexuais foram combatidos, diz, pouco se fez para combater o ódio aos estrangeiros.

    "Muitas vezes as pessoas sabem muito pouco sobre os recém-chegados em sua cidade. Se os cidadãos não se envolverem no planejamento dos abrigos, populistas de direita sempre terão um caminho aberto para incitar o ressentimento contra os imigrantes", argumenta.

    Muitos grupos que organizam protestos contra refugiados convocam militantes pela internet.

    Redes sociais como o Facebook estão repletas de páginas contra refugiados com nomes como "Freital resiste" e "Sem mais concessões de asilo na Alemanha".

    Há cerca de duas semanas, o Google retirou do ar um mapa em que constava a localização de cerca de mil abrigos na Alemanha. A conta que criou o mapa pertencia a um grupo neonazista, segundo a polícia.

    O aumento da violência também está minando a percepção de que esses ataques são concentrados no leste do país, já que algumas das ações mais violentas, como os incêndios em Reichertshofen e Remchingen, aconteceram no oeste.

    Os ataques também têm provocado o temor de que a Alemanha volte a experimentar uma fase sombria semelhante à dos anos 90, quando o país experimentou uma onda de xenofobia que culminou na morte de pelo menos oito estrangeiros em incêndios.

    Nesta semana, a revista "Der Spiegel" estampou em sua capa a pergunta "A Alemanha feia voltou?".

    PEDIDOS DE ASILO

    A violência vem aumentando enquanto a Alemanha está recebendo cada vez mais pedidos de asilo.

    Em 2014, foram 202.645, o maior número em 20 anos. O recorde, no entanto, deve durar pouco, já que somente neste ano foram 159.927 requerimentos. Cerca de 20% deles foram feitos por sírios.

    A expectativa é de que, em 2015, o número possa ultrapassar a marca dos 450 mil, superando a marca histórica de 1992, segundo a Agência Federal para a Imigração e os Refugiados (BAMF).

    Só uma parte desses refugiados deve receber o documento de asilo —em 2014 apenas um quarto dos requerentes, a maioria da Síria e do Iraque, receberam permissão para ficar, em muitos casos apenas temporariamente.

    Editoria Arte/Folhapress

    Mas enquanto os pedidos são processados durante no mínimo cinco meses, os requerentes podem ficar na Alemanha, normalmente em abrigos e recebendo uma ajuda de custo que chega a € 143 (R$ 522,19).

    Esse influxo de estrangeiros vem pressionando pequenas cidades do país e provocando uma queda de braço entre os Estados e o governo federal.

    Em 2014, a Alemanha gastou € 2 bilhões (R$ 7,5 bilhões) para acomodar refugiados. Neste ano, a expectativa é de que o valor passe de € 5 bilhões (R$ 18,7 bilhões). Com orçamento apertado, muitas cidades estão tendo que improvisar abrigos.

    Na segunda, o governo da Renânia do Norte-Vestfália pediu que o governo federal disponibilizasse bases militares vazias para acomodar os recém-chegados.

    Outros Estados, como a Saxônia, estão levantando campos com tendas ou recorrendo a ginásios.

    A Federação Alemã de Municípios e vários Estados vêm fazendo pedidos frequentes ao governo federal para conseguir mais recursos.

    CONTENÇÃO

    Para tentar frear a entrada de refugiados, o governo alemão reclassificou em 2014 alguns países dos Bálcãs, como a Bósnia, a Macedônia e a Sérvia, como países "seguros", tornando praticamente impossível para que cidadãos desses países consigam asilo.

    A medida pretende desestimular a vinda de imigrantes. No primeiro semestre de 2015, mais de 40% dos pedidos de asilo partiram de cidadãos de países da região que não fazem parte da União Europeia.

    Setores políticos afirmam que esses imigrantes estão apenas fugindo da pobreza. A BAMF deixa claro que isso não é suficiente para que um requerimento seja aceito —apenas 0,1% dos pedidos de sérvios, por exemplo, foram aceitos neste ano.

    Editoria Arte/Folhapress

    A Albânia, o Kosovo e Montenegro ainda continuam sendo considerados como países de origem sem segurança.

    Alguns Estados alemães vêm pressionando para que eles também sejam reclassificados, com o objetivo de apressar o esvaziamento dos seus abrigos.

    O governo da Baviera foi mais longe e passou nos últimos dias a colocar refugiados desses países em campos e abrigos separados de outras nacionalidades para apressar a análise dos pedidos e eventuais processos de deportação.

    Organizações reclamaram da medida e afirmaram que ela é discriminatória e que a reclassificação é populista e simplista.

    "É errado dizer que essas pessoas geralmente vêm de países seguros. Embora condições econômicas não sejam suficientes para um asilo, parte dessas pessoas é vítima de injustiças em seus países", afirma Bernd Mesovic, vice-diretor da organização Pro Asyl.

    Asyl também lembra que muitos dos requerentes dos Bálcãs são ciganos que sofrem discriminação. Em março, entre os 2.855 sérvios que pediram asilo, 90% eram ciganos. Entre os 690 bósnios, correspondiam a 58%.

    As ONGs alemãs também afirmam que o problema dos refugiados na Alemanha é a desorganização, e não o número de pedidos de asilo. Esse "fardo" seria enganador porque a Alemanha tem capacidade para receber mais pessoas.

    Em 2014, mais de 600 mil pessoas pediram asilo na Europa. A Alemanha recebeu mais pedidos do que qualquer outro país do bloco.

    O país está em oitavo lugar entre os que mais recebem pedidos por 1.000 habitantes. Foram 2,5 no ano passado, contra 8,4 da Suécia.

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