O Paraguai decidiu acelerar a regularização de brasileiros no país após ter a promessa de que o Brasil pagaria três vezes mais pela energia produzida em Itaipu e não utilizada pelo vizinho, de acordo com um embaixador brasileiro.
O compromisso foi firmado em acordo assinado pelo então presidente Lula e seu homólogo, Fernando Lugo, durante viagem a Assunção, em 2009, e encerrou um período de "anos de atitudes protelatórias" do Paraguai.
Essa análise está em telegrama reservado enviado naquele mesmo ano pelo então embaixador brasileiro no país, Eduardo dos Santos, ao Itamaraty e a embaixadas da região. O documento foi obtido pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.
"Nenhum desses avanços, que dizem respeito a aspecto dos mais sensíveis da relação bilateral, teria sido possível sem o desanuviamento do clima político logrado com os entendimentos sobre Itaipu alcançados no nível presidencial", relata o diplomata.
Números oficiais apontam a presença de 149,8 mil brasileiros no Paraguai. Segundo especialistas, o número pode subir para cerca de 400 mil se consideradas as novas gerações, com nacionalidade do país vizinho.
Esse grupo tem longo histórico de conflito com os paraguaios devido à disputa por terras -os brasileiros são os principais proprietários de extensas produções de soja, por exemplo. O atrito se intensificou após o ex-bispo Fernando Lugo assumir o poder, eleito com apoio de trabalhadores sem-terra.
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No telegrama, o embaixador relata que a associação entre os temas de Itaipu e brasiguaios é um exemplo da "política do 'cháke', tão comum no Paraguai". E explica: "'Cháke' é uma palavra guarani que significa "alerta", "perigo", a qual, creio, traduz o mesmo objetivo do 'xeque' no jogo de xadrez."
No relato, o embaixador destaca ainda que o acordo para aumentar o valor pago pela energia excedente de Itaipu traria não apenas avanços concretos para a regularização dos brasileiros, como também benefícios para o presidente Lugo.
"Para um governo sem maioria no Congresso, (...) que tem enfrentado problemas de arrecadação (...) e que continua ameaçado por riscos de instabilidade, a concretização do acordo sobre Itaipu lhe daria fôlego político e significaria um fator de sustentação interna", disse dos Santos.
Essa confirmação, no entanto, viria apenas dois anos depois, em 2011, quando o Senado Federal aprovou o aumento da quantia, dias antes da presidente Dilma Rousseff viajar ao Paraguai.
Um ano depois, Lugo deixaria o poder após sofrer um impeachment-relâmpago. Em retaliação, o Brasil retirou o embaixador do posto. Em 2013, Eduardo dos Santos se tornou o nº 2 da hierarquia do Itamaraty.
Procurada, a Embaixada do Paraguai em Brasília informou que não iria comentar o telegrama do diplomata brasileiro.
CRONOLOGIA DOS ATRITOS
2011
Justiça paraguaia anula títulos de terra de brasiguaios -no ano seguinte, milhares de sem-terra invadem fazendas de brasileiros sob justificativa de o terreno ser grilado
2013
Ataque do grupo guerrilheiro EPP (Exército do Povo Paraguaio) a fazenda de brasileiro deixa cinco mortos
2014
Filho de brasileiros e nascido no Paraguai, Arlan Fick é sequestrado dentro da fazenda da família pelo EPP. O jovem fica em cativeiro por quase nove meses