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    ANÁLISE

    Obama e eleições nos EUA pesarão mais que conferência de Paris

    EDUARDO VIOLA
    ESPECIAL PARA FOLHA

    04/08/2015 00h05

    Barack Obama tomou a decisão de lançar o que poderá ser o mais ambicioso plano para combater a mudança climática nos EUA: redução de 32% das emissões de carbono derivadas de usinas termoelétricas (um terço das emissões americanas) até 2030, tendo como ano base 2005.

    Trata-se de uma meta importante para o contexto estadunidense –com um Congresso dominado pelos conservadores–, embora limitada se considerarmos que a União Europeia tem como meta reduzir as emissões totais em 40% em 2030, tomando como ano base 1990 –meta aproximadamente 60% maior que a americana.

    Uma característica importante da apresentação do plano é que são enfatizadas fortes sinergias com a melhoria da saúde pública, o aumento de competitividade das empresas, a criação de empregos, o empoderamento dos setores mais pobres e a liderança dos EUA no mundo.

    O plano sofrerá forte oposição em muitos Estados e no Congresso, e a implementação de grande parte dele provavelmente acabará sendo decidida na Suprema Corte.

    EPA
    O presidente Barack Obama durante evento na Casa Branca
    O presidente Barack Obama durante evento na Casa Branca

    De qualquer modo, diferentemente de períodos anteriores da história recente dos EUA, o plano contará com o apoio da opinião pública (em torno de 65%, segundo pesquisa Pew/Universidade de Stanford, de janeiro de 2015) e de vastos setores empresariais, que foram internalizando, nos últimos anos, a transição para uma economia de baixo carbono.

    Os grandes opositores serão a indústria do carvão (Estados produtores de carvão e termoelétricas que resistem em mudar para o gás natural), a maioria das empresas petroleiras, os think tanks financiados por elas e o Partido Republicano.

    O plano terá influência decisiva na próxima campanha eleitoral presidencial nos EUA (2016) e também, ainda que em menor escala, nas campanhas legislativas.

    Até agora, a mudança climática somente teve importância significativa na campanha presidencial americana de 2008, quando ambos os candidatos, Obama e John McCain, eram favoráveis ao enfrentamento da mudança climática.

    A questão teve uma importância periférica nas eleições de 1988, 1992, 2000 e 2004 e não teve nenhuma importância em 1996 e 2012.

    Desde o surgimento do Tea Party, em 2009, o Partido Republicano transformou-se num bastião fanático de negação da mudança climática antropogênica nos EUA, o que influenciou decisivamente as agendas conservadoras das eleições de 2010 (legislativas), de 2012 (presidenciais e legislativas) e de 2014 (legislativas).

    Na campanha de reeleição de 2012, Obama fugiu do tema da mudança climática, temendo uma influência negativa nos decisivos Estados de Ohio, Michigan, Pensilvânia e Flórida.

    Os dois pré-candidatos democratas nas primárias de 2016 –Hillary Clinton (58% das intenções de voto) e o senador Bernie Sanders (19%)– prometem aprofundar a política de Obama. No caso de Sanders, de uma maneira muito incisiva, o que está atraindo forte apoio da juventude.

    As medidas anunciadas por Obama implicam um forte apoio para o Partido Democrata e uma grande dor de cabeça para o Partido Republicano, considerada a tendência recente da opinião pública.

    O plano busca também aumentar a influência americana na Conferência de Paris, em dezembro de 2015.

    De um lado, constrangendo os outros grandes (China, Índia, Rússia, Japão, Brasil e Indonésia) e médios emissores (Coreia do Sul, Canadá, México, Austrália, Irã, Arábia Saudita, Turquia e África do Sul) a assumirem compromissos mais ambiciosos.

    De outro lado, disputando a liderança da conferência com o líder histórico –a União Europeia.

    Com isso, os EUA poderão voltar, na COP-21, à posição de coliderança que tiveram entre a COP-1 e COP-6 (1995-2000) e perderam, posteriormente, entre a COP-7 e a COP-20 (2001-2014).

    Contudo, a definição deste processo de reposicionamento dos EUA na arena global da descarbonização da economia mundial dependerá da vitória dos democratas na eleição presidencial e legislativa de novembro de 2016.

    A primeira parece bastante provável neste momento.

    A segunda, no entanto, é mais difícil, mas sua probabilidade está aumentando, devido ao crescimento, cada vez mais consistente, da economia americana e da opinião pública favorável ao enfrentamento da mudança climática.

    Do ponto de vista da dinâmica profunda do sistema internacional, mais importante que o resultado específico da Conferência de Paris será a vitória generalizada dos democratas na eleição de 2016.

    Com isso, o mundo entraria num novo ciclo de transição para uma economia de baixo carbono, particularmente pelo impacto que a nova dinâmica americana teria sobre os outros grandes emissores.

    EDUARDO VIOLA é professor titular do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília

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