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    Projeto agrícola financiado pelo Brasil atrai acusações em Moçambique

    THAIS FASCINA
    DO "AGORA"

    08/08/2015 19h31

    Um projeto de desenvolvimento da agricultura em Moçambique, financiado pelos governos do Brasil e do Japão, levou à expulsão de centenas de pequenos agricultores de suas terras para dar espaço a grandes empreendimentos, segundo acusações feitas por mais de 20 organizações nacionais e internacionais.

    Considerado uma das vitrines da política externa do governo Lula na África, o Prosavana tinha como objetivo melhorar a vida da população em zonas rurais pobres com a produção em larga escala de alimentos.

    A área escolhida em Moçambique é o chamado Corredor de Nacala, a mais produtiva do país, onde foi instalada uma ferrovia atravessando todo o corredor —da fronteira com o Maláui (norte) até o porto de Nacala— para facilitar o escoamento.

    Há duas acusações em Moçambique contra o Prosavana. A primeira diz respeito à região de Nampula, onde a empresa Mathara Empreendimentos é suspeita de ter expulsado cerca de cem famílias de pequenas propriedades, colocando animais nas plantações dos agricultores para forçar sua saída.

    A segunda é sobre a suposta usurpação de propriedades em Gurué pela Agromoz, conglomerado de empresas formado pelo grupo Américo Amorim (Portugal), Intelec (Moçambique) e Pinesso (Brasil), uma das maiores produtoras de soja do país.

    A Intelec tem como principal acionista o ex-presidente moçambicano Armando Guebuza (2005-2015). Segundo a acusação, algumas famílias teriam recebido apenas 6.000 meticais (cerca de R$ 530) pelas terras.

    "O Prosavana não é um projeto de desenvolvimento agrário, mas de pobreza e insegurança alimentar", diz Clemente Ntauazi, da Adacru (Ação Acadêmica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais).

    "Não identifico esse problema [de usurpação] na população. Eles são sempre simpáticos", diz Paulo Nogueira, coordenador substituto de cooperação técnica da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que participa do Prosavana.

    Em nota, o Itamaraty afirma que "cabe ao governo de Moçambique coordenar os investimentos" e que o Prosavana "não atua ou promove a atuação de empresas".

    A Folha não obteve resposta ao procurar as empresas denunciadas. O governo de Moçambique também não respondeu às solicitações.

    Moçambique

    AUDIÊNCIAS

    Com as denúncias e a desinformação dos camponeses, o governo de Moçambique realizou audiências públicas em abril deste ano para explicar o Prosavana.

    Em uma dessas reuniões, conforme filmagens vistas pela reportagem, um agricultor que disse ter sido expulso de sua terra chama representantes do Prosavana de "mafiosos" e diz que os camponeses não querem o projeto.

    As audiências atraíram críticas por terem sido divulgadas apenas 15 dias antes de começarem. O governo fez anúncios em jornais e criou um site sobre o Prosavana.

    "Em um país com mais de 50% de analfabetos, lançarem comunicados em jornais que mal circulam na região afetada pelo projeto é, no mínimo, inocente", diz Marcio Pessoa, pesquisador brasileiro que acompanhou o movimento de camponeses.

    Três cartas abertas assinadas por 72 associações e organizações nacionais e internacionais foram enviadas para a presidente Dilma Rousseff, o presidente moçambicano, Filipe Nyusi, e o premiê japonês, Shinzo Abe.

    A última, de maio, pede a paralisação "urgente" do Prosavana em Moçambique. Até agora, nenhuma resposta foi dada pelos governos.

    O Prosavana foi criado com base no Prodecer (Programa Brasileiro de Desenvolvimento dos Cerrados), adotado no Brasil na década de 70 e também financiado pelo Japão à época. Na cooperação atual feita com Moçambique, o custo total é estimado em US$ 35 milhões (R$ 122,8 milhões).

    De acordo com o Itamaraty, a coordenação do Prosavana cabe à ABC (Agência Brasileira de Cooperação), ligada ao ministério, e a transferência de técnicos e tecnologia cabe à Embrapa. O Brasil ainda mantém um escritório no país africano.

    Até 2013, o repasse a Moçambique pelo Brasil foi de US$ 13,7 milhões (R$ 48,1 milhões). No mesmo período, o Japão investiu US$ 23,8 milhões (R$ 83,7 milhões).

    O Itamaraty não respondeu sobre os valores atuais.

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