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    Polícia detém milhares de imigrantes em estádio de futebol de ilha grega

    PATRICK KINGSLEY
    JON HENLEY
    DE "THE GUARDIAN", EM ATENAS

    12/08/2015 12h45

    Mais de 2.000 refugiados foram detidos em um estádio na ilha grega de Kos depois que a tropa de choque da polícia fracassou em seus esforços para conter as ondas de imigrantes recentes recolhidos nos últimos dias de seus acampamentos improvisados naquela ilha.

    Diversos dos refugiados, que são em sua maioria sírios e afegãos, desmaiaram como resultado de insolações, e um deles teve um ataque epiléptico, informou a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), que estava prestando assistência médica no estádio.

    Em dado momento a polícia usou uma bomba de efeito moral para manter a ordem, e a equipe dos MSF se retirou do local por motivos de segurança.

    Julia Kourafa, porta-voz dos MSF no estádio, disse que "a situação estava se tornando incontrolável, e havia completa falta de coordenação. Era só a polícia, lá, sem presença do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) e sem segurança para a [nossa] equipe".

    Kourafa acrescentou que "esta é a primeira vez que vemos algo assim na Grécia —pessoas trancafiadas em um estádio e controladas pela tropa de choque. Estamos falando de mães com crianças, de pessoas idosas. Ficaram trancados e expostos ao sol por muitas horas".

    Os imigrantes foram detidos no estádio originalmente na noite de terça-feira (11), ostensivamente para que fossem registrados. Mas, de acordo com Kourafa, só havia três policiais presentes para fazer o registro, o que retardou o processo e exacerbou as tensões, resultando na retirada da MSF por volta da meia-noite.

    Eles voltaram cedo na manhã seguinte para prover assistência médica, mas os refugiados continuavam trancados no estádio. As autoridades gregas forneceram poucos, se algum, alimentos e água, e os refugiados continuavam a desmaiar.

    As tensões também estavam crescendo rapidamente em diversas outras ilhas do leste da Grécia, às quais mais de 120 mil refugiados chegaram desde o começo do ano —ante cerca de 30 mil durante todo o ano de 2014.

    Por onde entram os imigrantes

    REGISTRO

    Tendo realizado a curta travessia de barco da Turquia para a União Europeia, os refugiados se frustram ao se verem essencialmente aprisionados nas ilhas gregas. As autoridades da Grécia estão tentando registrá-los antes que sejam transferidos a Atenas e tacitamente autorizados a prosseguir para outros países da Europa.

    Mas devido à escala sem precedentes da crise, a polícia grega não vem sendo capaz de processar os imigrantes com rapidez suficiente, o que causa gargalos em ilhas como Kos.

    Houve momentos em que as autoridades não conseguiram fornecer comida suficiente e não encontraram espaço para abrigar tantos imigrantes, com mais de mil deles chegando da Turquia a cada dia.

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    O primeiro-ministro grego Alexis Tsipras declarou na semana passada que seu país, que já está enfrentando uma crise econômica, não conta com a infraestrutura necessária para enfrentar também uma crise de imigrantes.

    A despeito da situação nas ilhas, muitos dos 1,6 milhão de refugiados sírios que atualmente estão no limbo na Turquia continuam a ter planos de fazer a travessia para a Grécia.

    Mousa, ex-estudante de literatura inglesa que planeja chegar a Kos no final do mês, disse que não havia mudado de ideia, a despeito de ter assistido um vídeo que mostra a situação no estádio.

    Ele disse que seu plano era comprar um passaporte falso da União Europeia ao chegar a Kos, em lugar de se registrar como refugiado junto ao governo grego.

    Mousa disse que "eu ainda gostaria de ir, porque, do modo como planejei, vou chegar a Kos e lá direto ao aeroporto para [outro destino na União Europeia]. Não vou ter de lidar com as autoridades da Grécia".

    Boa parte do esforço humanitário para ajudar os refugiados, que em geral são fugitivos das guerras na Síria e Afeganistão, vem cabendo a voluntários locais e ONGs. A falta de recursos e o ritmo lento de registro resultaram em protestos e em confrontos esporádicos com a polícia.

    Antes de trancar os imigrantes no estádio durante a noite, a polícia de Kos usou extintores de incêndio para forçar o recuo de um grupo de imigrantes que estavam protestando.

    Algumas semanas atrás, o Exército grego foi forçado a agir para manter a ordem e fornecer suprimentos adicionais em um campo de imigrantes na ilha de Lesbos, onde as autoridades civis haviam esgotado seu estoque de alimentos para abastecer os imigrantes.

    O jornal "Ekatimerini" reportou que os serviços de imigração haviam enviado a Kos uma dúzia de agentes adicionais, entre os quais alguns que falam árabe, para acelerar a identificação e registro dos 7.000 imigrantes, em sua maioria sírios, que estima-se estejam na ilha agora.

    Duas unidades da tropa de choque da polícia também foram transportadas de avião à ilha, informou Dimitris Tsaknakis, o chefe da polícia nacional grega, ao jornal, e outros 250 policiais de unidades regulares estavam a caminho de Kos e das ilhas de Lesbos e Samnos, no leste do Mar Egeu.

    PORTA DE ENTRADA

    As ilhas gregas são agora o principal ponto de entrada para os imigrantes que buscam chegar à Europa de barco. O número de imigrantes que vêm chegando à Grécia superou o de chegadas à Itália, que tradicionalmente servia como portão de entrada principal para os imigrantes marítimos.

    O ritmo de chegada de imigrantes continua a ser recorde na Itália, mas ainda assim o país recebeu 20 mil refugiados a menos do que a Grécia em 2015. Também há temores de um gargalo na ponta oposta do território da Grécia, em sua fronteira norte, com a Macedônia.

    Soldados macedônios fecharam a fronteira por breve período, em junho, bloqueando a rota de saída de milhares de refugiados que esperavam chegar ao norte da Europa, e criando a perspectiva de um fechamento mais permanente da fronteira, no futuro.

    O diretor de operações dos MSF, Brice de la Vingne, disse que "nossa organização está muito preocupada com a maneira pela qual a situação está evoluindo em Kos. O que antes era uma situação de inação do Estado agora se tornou uma situação de abuso do Estado, com a polícia empregando força cada vez maior contra essas pessoas vulneráveis".

    "A grande maioria das pessoas que chegam aqui são refugiados que tentam fugir da guerra na Síria e Afeganistão. As autoridades de Kos declararam claramente não ter a intenção de melhorar a situação dessas pessoas, porque acreditam que isso representaria um 'fator de atração'. Mas a verdade é que pessoas que estão fugindo da guerra continuarão a chegar, quer as autoridades tentem impedi-las de fazê-lo, quer não".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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