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    História de amor une ao Equador brasileira detida durante protesto

    MARIANA CARNEIRO
    DE BUENOS AIRES

    23/08/2015 03h00

    Reprodução/Facebook
    Carlos Perez Guartambel, parceiro de Manuela Picq, segura cartaz em que declara seu amor
    Carlos Perez Guartambel, parceiro de Manuela Picq, segura cartaz em que declara seu amor

    "Companheiros de luta e de caminhada", a brasileira Manuela Lavinas Picq, 38, e o equatoriano Carlos Pérez Guartambel, 46, foram separados na noite de sexta (21).

    Sem visto para permanecer no Equador, cassado após ela participar de uma manifestação contra o governo Rafael Correa, Manuela teve que deixar o país. Ela chegou ao Brasil neste sábado (22).

    "É muito triste a situação, mas decidimos que, se é para ficarmos separados, é melhor que eu esteja no Brasil do que na prisão", disse ela à Folha, antes de embarcar.

    A jornalista e acadêmica, que chegou ao Equador em 2004, disse que levaria só uma mala. O apartamento que divide com Carlos ficou intacto em Quito, assim como a casa do casal em Cuenca, no sul do país, onde eles passam a maior parte dos dias juntos com as duas filhas dele, de 10 e 15 anos. A ideia é voltar o quanto antes.

    "Sem visto, não tenho segurança física e jurídica para permanecer no Equador. Vou ao Brasil, tiro um novo passaporte, resolvo isso e volto. Estou deixando aqui o Carlos e também meu trabalho."

    O interesse pela preservação dos recursos naturais para os povos indígenas uniu os dois. Carlos e Manuela se conheceram há três anos, quando ela preparava uma reportagem sobre a disputa de comunidades indígenas contra empresas mineradoras para a rede "Al Jazeera".

    Em 2012, Carlos perdera a mulher, vítima de um câncer. No ano seguinte, ele e Manuela começaram uma relação. Um ano depois moravam juntos e se casaram seguindo os rituais milenares indígenas.

    A brasileira ajudava Carlos a cuidar das filhas quando o ambientalista tinha que viajar. No último dia 13, na manifestação em Quito, Manuela agarrou com força o companheiro, tentando evitar que ele fosse levado por policiais.

    "Naquele dia, fui ver a manifestação para escrever um artigo, mas fui principalmente encontrar o Carlos. Sabia que ele estava em situação de perigo e queria estar ao lado dele", conta ela.

    "Uns dez policiais nos cercaram e começaram a arrastar o Carlos. Eu me joguei em cima dele, para evitar que fosse levado, e me arrastaram também. Nos bateram com cassetete na cabeça, no rosto, e nos separaram."

    Manuela ficou com o rosto inchado, Carlos com uma marca roxa embaixo do olho esquerdo. No domingo (16), enquanto Manuela era mantida em um centro de detenção para imigrantes ilegais, Carlos ficou parado na porta do edifício, chorando, com um cartaz: "Te amo Manuela", em português.

    Carlos toca saxofone desde criança. Filho de indígenas da etnia Kañari do sul do Equador, pagou a universidade de direito com o que ganhava tocando em feiras.

    Decidiu se dedicar à defesa de comunidades afetadas pela extração mineral depois que sua aldeia, Tarqui, teve os reservatórios de água contaminados há 15 anos.

    "Ele não sairá de lá [do Equador] nunca, é completamente comprometido com a causa", responde a sogra, a brasileira Lena Lavinas, quando indagada se Carlos deixaria o país por Manuela.

    Lena só o conhece por telefone e vídeos na internet. "Ele é muito calmo, educado, é de outro mundo. Enquanto estávamos todos nervosos com a situação da Manuela, ele falava com a voz serena."

    Carlos foi detido quatro vezes no governo de Rafael Correa. Na penúltima, foi acusado de "terrorismo altruísta", por bloquear estradas. Ficou dez dias na cadeia.

    Na última semana, foi a vez de assumir o papel de advogado para defender Manuela da deportação. "Vou atuar com todo meu coração", disse à imprensa local.

    Venceram o round, mas o governo negou novo visto a Manuela, obrigando-a a vir ao Brasil. "Estou ferido, mas não vencido", diz Carlos em vídeo no Facebook após a prisão de Manuela. "Essa luta não se ganhará com velocidade, mas com resistência."

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