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    Nova 'Lei Mordaça' pune críticas ao governo espanhol em redes sociais

    DIOGO BERCITO
    EM MADRI

    31/08/2015 02h00 Erramos: o texto foi alterado

    Em 22 de julho, insatisfeito com a administração de uma cidadezinha nas ilhas Canárias, Eduardo Díaz Coello, 27, foi à página da prefeita local no Facebook e publicou um comentário. Chamou a polícia de "casta de folgados".

    Seis horas depois, recebeu em casa, estupefato, uma denúncia de "falta de respeito e consideração ao coletivo da polícia por meio das redes sociais".

    Coello foi a primeira vítima de uma medida instituída pelo governo espanhol em 1º de julho, a despeito das críticas de organizações humanitárias, chamada Lei de Segurança Cidadã -apelidada de "Lei Mordaça".

    Após trâmite legal, a multa, que poderia chegar ao equivalente a R$ 2.400, foi anulada. Mas não tranquilizou o jovem historiador, que resumiu em entrevista à Folha sua opinião em relação à medida: "um disparate, uma loucura, um abuso".

    Desde que foi proposta pelo partido governista PP, a "Lei Mordaça" tem sofrido oposição de grandes fatias da população espanhola. Organizações como a Rights International insistem em sua reformulação, inclusive diante de autoridades europeias.

    "Recebemos essa lei com preocupação desde o primeiro momento", diz à reportagem Patricia Goicoechea, diretora adjunta da organização na Espanha. "O texto oferece um risco à liberdade de expressão. É a criminalização dos protestos sociais."

    A medida se insere num contexto de endurecimento do governo após as manifestações de 2011, quando espanhóis foram às ruas protestar contra a gestão pública.

    A "Lei Mordaça" impede, por exemplo, manifestações diante do Congresso e do Senado. Também não é permitido fotografar policiais, tampouco impedir um despejo.

    Neste mês, uma mulher foi multada em cerca de R$ 3.200 por publicar em seu perfil no Facebook a fotografia de uma viatura policial estacionada numa vaga de deficiente.

    "Tudo aponta que essa lei e parte da reforma do Código Penal respondem aos crescentes protestos sociais", diz Goicoechea -protestos esses, enfatiza mais de uma vez durante a entrevista, "pacíficos". "Agora há tensão na hora de sair às ruas, pelo medo de ser multado."

    'DIREITOS FERIDOS'

    O líder sindical Joan Piñana, porém, diz que não deixará de se manifestar, inclusive depois de ter recebido uma multa de cerca de R$ 1.240 justamente por organizar um protesto contra a "Lei Mordaça".

    "Direitos e liberdades fundamentais foram feridos, e hipotecaram a nossa juventude, nos devolvendo a 30 anos atrás", diz à Folha.

    Líder da Confederação Geral do Trabalho em Castellón (região de Valencia), ele foi responsabilizado por uma manifestação diante da sede do partido governista PP.

    Piñana se recusa a pagar a multa, mesmo com a oferta -que recebeu com alguma ironia- de um desconto de 50% caso liquide o valor imediatamente. "É uma máfia em nível estatal", afirma.

    A reportagem entrou em contato com o Ministério do Interior espanhol, que não respondeu a pedidos de entrevista sobre a "mordaça".

    Para a Plataforma de Afetados pela Hipoteca, que combate despejos, a lei foi aprovada pelo governo "mais extremista e de direita que já tivemos". Os despejos tornaram-se uma das questões mais graves no país durante a crise econômica, em que diversas pessoas deixaram de poder pagar aluguéis e hipotecas.

    "Essa lei castiga com dureza precisamente o tipo de ação que executamos. Por exemplo, ocupar pacificamente uma agência de banco, impedir um despejo, gravar a polícia", diz o porta-voz da Plataforma, Paco Morote. Algumas multas chegam a R$ 120 mil.

    "Mas nos declaramos desobedientes a qualquer lei contrária aos direitos humanos. Você imagina Gandhi deixando de protestar devido à ameaça de uma multa?"

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