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    Análise

    Desfile em Pequim coroa ascensão chinesa e indica ambições futuras

    GIORGIO ROMANO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    03/09/2015 01h42

    Há meses a China se prepara para comemorar, neste dia 3 de setembro, o aniversário de 70 anos da vitória do povo chinês contra a agressão japonesa.

    Não se trata de um rito anual. Ao contrário, pela primeira vez a data é festejada com uma grande parada militar e a presença de soldados estrangeiros, com destaque para militares russos, em continuidade à presença das tropas chinesas na praça Vermelha, em maio passado, quando a Rússia comemorou o septuagésimo ano da derrota do nazifascismo.

    A China pretende chamar a atenção do mundo, e tudo indica que terá sucesso.

    A narrativa contesta uma visão considerada errada da historiografia ocidental sobre a Segunda Guerra, sempre apresentada como um conflito basicamente europeu.

    A China foi a primeira a ser invadida, em 1931, e ficou durante 14 anos sob ocupação militar, passando por uma guerra que custou 34 a 35 milhões de vidas, segundo dados –superiores à referência predominante na literatura ocidental, de 20 milhões.

    O formato da comemoração deve ser entendido no contexto de uma postura mais altiva da China, que passou a exigir e impor respeito, por exemplo, às suas reivindicações no mar do Sul.

    Por anos o país permanecera em atitude defensiva, quase pedindo licença para justificar sua rápida expansão econômica. Lideranças chinesas sentiam uma necessidade de explicar que sua ascensão era pacífica, e não faltavam referências históricas para mostrar que, ao contrário do expansionismo europeu, a China nunca teve a ambição de dominar o mundo.

    A nova atitude, consolidada sobretudo no atual mandato do presidente Xi Jinping, reflete, em parte, a crise global de 2008, que aumentou o protagonismo da China.

    DIANTEIRA

    O país firmou-se, a partir da crise, como a segunda economia do mundo, e não havia mais por que relativizar o fato. Isso envolve atitudes para impor gradualmente a sua moeda, saindo da posição de coadjuvante do dólar.

    Pode-se mencionar ainda a opção por redes de alianças que não passam por Washington, como os Brics e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura.

    Esse novo ativismo provocou resistência dos países vizinhos, que procuram se integrar ao dinamismo da economia chinesa, porém, com forte desconfiança ante suas ambições políticas.

    De outro lado, é marcante a aproximação com a Rússia, que permanece imune à ideia de deixar a porta aberta para os EUA contrabalançarem o poder da China. Talvez nunca a relação entre os dois vizinhos tenha sido tão promissora, com envolvimento de questões estratégicas como a indústria militar e a energia.

    A comemoração se dá em um momento particular.

    Há um recado claro para o Japão. As tentativas do premiê japonês, Shinzo Abe, de revisar a Constituição pacifista e flertar com rearmamento junta-se à insistência em não formalizar explicitamente pedidos de desculpas pelas atrocidades da guerra.

    O desfile ganha ainda uma conotação diferente e inesperada devido à recente crise financeira.

    Por trás do estouro das bolhas de especulação que haviam tomado conta da Bolsa de valores chinesa, verifica-se uma transição difícil da própria estratégia de desenvolvimento: sair de um foco exacerbado em investimento pesado para uma economia mais voltada para o consumo das famílias.

    A parada militar deve reforçar a imagem da determinação da China para que, além de superar a crise das bolsas, seja possível lograr uma transformação mais estrutural, sem provocar instabilidades internas ou externas.

    A ver se esse processo seguirá o script com a mesma precisão da própria parada.

    GIORGIO ROMANO é coordenador do curso de relações internacionais da Universidade Federal do ABC e integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais.

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