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    Veja objetos pessoais que refugiados levam consigo durante travessia

    SHAWN POGATCHNIK
    DA ASSOCIATED PRESS, EM ROSZKE (HUNGRIA)

    03/09/2015 11h38

    Darko Bandic/Associated Press
    In this photo taken Sunday, Aug. 30, 2015, Mohammad Zamani, 26, a high school maths teacher from Shiraz, Iran, shows his ring after crossing from Serbia to Asotthalom, Hungary. Zamani had a bag full of belongings when he left his home nearly a month ago, but the bag is gone now. Fortunately for Zamani, he didn't lose his most prized possession with his bag: a ring of silver and black stone that his older brother gave to him as a 25th birthday present. (AP Photo/Darko Bandic) ORG XMIT: XDB509
    Mohammad Zamani, 26, professor de matemática, usa anel dado pelo irmão

    Para sobreviver a dias passados caminhando e dormindo sob condições inclementes, em acampamentos improvisados, eles precisam focar no que é essencial: analgésicos, pomadas para os pés, artigos de primeiros socorros, comida e artigos de higiene pessoal. Os mais preparados levam smartphones com baterias extras e chips capazes de funcionar nos países pelos quais estão passando. Sem isso, sem contar com navegação por satélite eles podem acabar caminhando em círculos, especialmente à noite, a hora quando muitos se deslocam, para evitar a polícia.

    Dezenas de milhares de refugiados que passam semanas a pé, em veículos e embarcações viajando à Europa para fugir de guerras, perseguição e pobreza precisam avaliar com cuidado o que levarão em suas mochilas. Os homens geralmente carregam barracas e sacos de dormir, enquanto as mulheres levam seus bebês em "cangurus" ou nas costas.

    A maioria deles deixou seus pertences pessoais em casa, com parentes, e espera recuperá-los futuramente, mas alguns conseguem levar alguns objetos pessoais na estrada. A Associated Press falou recentemente com refugiados que atravessavam a fronteira entre a Sérvia e a Hungria para saber o que estavam levando e quais de seus objetos eles valorizavam mais.

    *

    WAFAA BUKAI

    A estudante Bukai, 25, aguarda com seu irmão em um campo sérvio para migrantes, antes de atravessar a fronteira, e mostra ao visitante objetos e imagens de valor sentimental de seu passado em Damasco, na Síria. Ela explica que deixou virtualmente tudo que era seu para trás, com parentes, mas que precisa de algumas coisas de valor emocional que conserve suas recordações vivas.

    "Minha pátria está destruída, não há segurança lá", ela diz. "Eu deixei tudo para trás: minha casa, minhas roupas, meus amigos, minha família."

    Diferentemente de muitos caminhantes que só levam fotos preciosas em formato eletrônico, em seus telefones, Bukai folheia um álbum de imagens de sua infância, incluindo fotos dela própria de uniforme escolar e de passeios na praia com sua família.

    O objeto que lhe é mais precioso não tem nenhum valor monetário, mas lhe permite viajar em sua mente até a cidade velha de Damasco, no grande bazar de Al-Hamidiyah, no centro murado da capital síria. É um simples búzio, comprado quando ela era menina no mercado ao lado da cidadela medieval de Damasco.

    "Eu me lembro de Damasco em todo lugar, em cada cidade por onde passo", ela diz, acariciando o búzio em sua mão.

    MOHAMMAD AL-ABDALLAH

    "Eu não iria a lugar algum sem meu Alcorão", diz esse engenheiro arquitetônico, 36, morador de Bagdá que há três semanas está viajando com seu filho de 17 anos, Bashar, do Iraque à fronteira da Hungria, passando pela Turquia, a Grécia e os Bálcãs. "Oro cinco vezes por dia. Leio à luz do luar."

    Ele abre sua mochila e tira dela sua edição pequena do livro sagrado muçulmano. A capa do livro está gasta e enrugada, depois de ser molhada pelas chuvas da noite. Algumas das páginas estão coladas e ameaçam se rasgar, mas Abdallah abre o livro com cuidado e recita um trecho favorito para seu filho.

    Bashar fala a seu pai que isso demora demais. Ele tira seu smartphone do bolso, abre seu aplicativo do Alcorão e encontra o mesmo trecho em segundos. "Minhas páginas nunca rasgam", diz.

    MEKDAD MAREY

    Natural de Damasco, o designer gráfico Marey, 25 está há duas semanas viajando de um campo de refugiados na Turquia para a fronteira da Hungria, na esperança de chegar até a Alemanha. Para ele, a Alemanha não representa apenas a economia mais forte da Europa, mas é também o lugar onde ele acha que pode resolver seus problemas de saúde.

    Em sua mochila pequena ele carrega um estoque grande de analgésicos e, o que é mais importante, um protetor de pescoço. Marey atribui sua dor de costas crônica e um disco deslocado às longas horas que passou sentado diante de uma escrivaninha quando era estudante no Egito e quando trabalhou na Turquia.

    "A Turquia é um país bom, mas o dinheiro é pouco, e eu preciso de mais dinheiro para resolver meus problemas", ele diz, colocando o protetor de pescoço, que utiliza principalmente quando tenta dormir na barraca apertada de seu grupo. "Estou torcendo para a medicina ser melhor na Alemanha, onde os médicos são melhores, e espero que eles possam me ajudar."

    HUSSEIN AL-SHAMALI

    Em sua mochila, o estudante universitário, 20, de Idlib, cidade do norte da Síria, leva o que espera que será a chave para seu futuro: os documentos que comprovam sua escolaridade.

    Shamali abre com cuidado a embalagem à prova de água que usa para proteger sua carteira de identidade escolar, seu histórico escolar e o certificado de segundo nível que recebeu em ciências. Ele espera que, ao chegar à Alemanha, o sistema universitário desse país reconheça seus três anos de estudo de engenharia civil e lhe permita fazer uma pós-graduação em medicina.

    "Não sei o que pensarão do meu histórico de estudos. Espero que seja o bastante", ele diz, apontando para o documento de várias páginas, transcrito do árabe.

    Al-Shamali lamenta profundamente que a guerra civil na Síria tenha interrompido seus estudos e diz que espera retornar ao seu país algum dia como médico. Mas, revela, seus familiares que pagaram sua viagem da Turquia à Hungria, passando pela Grécia e os Bálcãs, esperam que primeiro, depois de chegar à Alemanha, ele mande dinheiro para casa. Ele imagina que, se o sistema alemão o permitir, isso significará primeiro terminar seus estudos nesse país e depois encontrar emprego em um hospital.

    "Muitas pessoas gastaram milhares de dólares comigo para eu chegar até aqui", ele diz, transpirando, enquanto passa a pé por dois postes simples que assinalam a fronteira entre Sérvia e Hungria. "Preciso devolver isso a elas. Isso é o que se espera de mim."

    BEHAT YASIN

    O curdo, 45, que viveu na Síria e no Iraque pastoreando seus rebanhos de ovelhas, diz que teve a sorte de ter conseguido fugir da ameaça do Estado Islâmico. "Muitos de meus amigos devem estar mortos, tenho certeza", diz Yasin, que, à diferença de muitos viajantes, não tem smartphone nem sabe usar as mídias sociais para se manter em contato com seus familiares.

    O que ainda o acompanha é sua ferramenta de pastor: uma bengala comprida, cor de osso, que ele usava para tocar suas ovelhas levemente. Hoje ele a usa como bengala para ajudar na sua caminhada; desde que atravessou da Sérvia para a Hungria, ele já caminhou sete horas.

    "Hoje eu mesmo sou as ovelhas. Eu apenas sigo os outros. Preciso andar mais rápido agora", ele fala em alemão rudimentar, apontando para um grande grupo de curdos, em sua maioria adolescentes, que vem seguindo desde a Turquia.

    MOHAMMAD ZAMANI

    Quando saiu de sua casa em Shiraz, no Irã, quase um mês atrás, Zamani, 26, professor de matemática no ensino médio, levava uma mala com roupas, artigos de higiene pessoal, uma corrente de ouro e um relógio.

    A mala desapareceu. Quando Zamani estava sendo levado com 40 outros migrantes em um caminhão na travessia da fronteira da Turquia, o motorista parou de repente, confrontado pela polícia, e mandou todos saírem do veículo. Em seguida, arrancou com o caminhão, levando as bagagens de muitos de seus clientes, incluindo a de Zamani.

    "Estou usando esta mesma roupa há três semanas, é horrível", diz o professor, trajando camisa social azul, camiseta branca e jeans. Ele chegou na Hungria no domingo dentro de um grupo maior de iranianos, que inclui casais com filhos pequenos.

    Todos se arrastaram debaixo de uma cerca de arame farpado na fronteira da Hungria e conseguiram evitar a polícia naquela mesma manhã. Exaustos depois da onda de calor em agosto, se deixaram ser detidos e processados como candidatos a asilo, embora nenhum deles queira ficar na Hungria. Zamani diz que sua esperança é poder lecionar na Bélgica.

    O bem que ele mais preza ainda está sobre seu dedo: um anel de prata e uma pedra negra que recebeu de presente de seu irmão Mojtaba em seu 25º aniversário.

    "Meu irmão já morreu", Zamani explica. "Morreu no ano passado em um acidente de carro. Não tenho outros irmãos. Este anel é muito precioso para mim."

    Editoria de Arte/Folhapress

    Tradução de CLARA ALLAIN

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