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    Turquia afaga mídia externa e sufoca interna

    JULIANA GRAGNANI
    ENVIADA ESPECIAL A ANCARA

    07/09/2015 02h00

    Ao fim de um curso na agência estatal de notícias da Turquia, o diretor da instituição se declara aos 11 jornalistas latino-americanos que participaram do programa: "Nós amamos vocês". Tudo o que o governo turco quer dos convidados é a reciprocidade.

    Após perder a maioria no Parlamento em junho e uma liderança à frente da Turquia que durava 13 anos, o presidente Recep Tayyip Erdogan tem recorrido a diversas estratégias para recuperar o poder, avaliam especialistas.

    Adem Altan - 1º.set.2015/AFP
    Turco lê capa do jornal crítico 'Sozcu' que diz: 'Se o Sozcu se cala, a Turquia se calará'
    Turco lê capa do jornal crítico 'Sozcu' que diz: 'Se o Sozcu se cala, a Turquia se calará'

    Uma delas é o controle da imprensa e o cerceamento de sua liberdade. Enquanto alguns jornalistas estrangeiros são convidados a viagens e "cursos" de jornalismo -prática comum em vários países, embora não com tamanha clareza de objetivo-, outros são presos exercendo a profissão.

    Na semana passada, foram detidos dois repórteres britânicos da "Vice" que cobriam o conflito entre rebeldes curdos e forças da Turquia; um tradutor iraquiano e um motorista turco. O governo acusou o grupo de "auxiliar uma organização terrorista", o Estado Islâmico. Os britânicos foram liberados. Até a conclusão desta edição, tradutor e motorista seguiam detidos.

    "Erdogan quer vender a sua versão das histórias para se consolidar no poder", diz Maureen Freely, presidente da PEN (Associação Internacional de Escritores) da Inglaterra, que protestou contra a prisão dos jornalistas.
    Dois dias depois da detenção dos profissionais, policiais invadiram a sede de um grupo de mídia crítico ao governo, o Koza-Ipek Media, na capital, Ancara. A empresa foi acusada de "financiar uma organização terrorista".
    Colunistas do jornal oposicionista "Sozcu" deixaram os textos em branco em protesto contra a "pressão sem precedentes direcionada à mídia".

    Uma âncora de um programa da rede de TV pública do país, a TRT, relatou ter sido demitida por causa de uma mensagem no Twitter em que criticava as incursões policiais. Aos jornalistas latino-americanos, a editora de assuntos internacionais da mesma rede disse não haver "limites impostos pelo governo", e sim "autolimites".

    A Turquia está no 149º lugar de 180 do índice de liberdade da ONG Repórteres Sem Fronteiras. A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, ligada à ONU, registrou 21 profissionais de mídia presos em julho de 2015.

    O porta-voz do governo, Cemalettin Hasimi, diz que "obviamente" as alegações de que há censura a jornalistas no país é falsa. "Não existe país que não tenha problemas com a mídia", afirma.
    "Temos milhares de posições políticas na Turquia e uma população dinâmica. Não temos o luxo de fechar nossas portas e janelas para o mundo. Não há maneira de implementar, com sucesso, medidas de censura."

    NOVA ELEIÇÃO

    Sem uma coalizão no governo, novas eleições foram convocadas para novembro, quando Erdogan colocará suas estratégias à prova.
    Ele espera que o AK (Justiça e Desenvolvimento), seu partido e o do primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, recupere a maioria. Erdogan quer modificar a Constituição do país, dando mais poderes à Presidência, em mais uma guinada autoritária.

    Tensões no país tendem a se acirrar. Em julho, a Turquia passou a atacar o Estado Islâmico, após críticas da comunidade internacional por sua inércia (leia abaixo). Ao mesmo tempo, investiu contra o PKK, organização curda considerada terrorista por Ancara e pelo Ocidente, rompendo um cessar-fogo que já durava dois anos.

    A ironia é que a organização curda é uma das principais resistências contra o EI.

    O grupo também tem atacado o governo: já deixou 40 militares e policiais turcos mortos desde julho deste ano. Neste domingo (6), houve novo ataque, em que "vários" soldados morreram, segundo o governo.
    Para especialistas, a guerra contra o PKK é uma estratégia de Erdogan para obter votos nacionalistas e anti-curdos em um novo pleito.

    A Folha teve que pedir autorização ao governo para entrevistar Figen Yüksekdag, a colíder do HDP, partido curdo laico que defende direitos das mulheres e gays. Com 13% dos votos, a sigla superou a barreira para ganhar uma representação no Parlamento, contribuindo para o o recuo do AK. "A Turquia não quer um governo de um homem só, nem um sultão moderno", diz Yüksekdag.

    A jornalista JULIANA GRAGNANI viajou a convite do governo da Turquia

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