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    Presidente da Colômbia afirma que revolução venezuelana se autodestrói

    JACOBO GARCIA
    ASSOCIATED PRESS
    DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

    09/09/2015 18h08

    Semanas após o governo venezuelano ordenar o fechamento de passagens na fronteira com a Colômbia, o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, atacou nesta quarta-feira (9) o governo do país vizinho dizendo que a revolução bolivariana na Venezuela está se autodestruindo.

    "Não estou destruindo a revolução bolivariana. A revolução bolivariana está se autodestruindo, a si própria, por seus resultados, não por causa dos colombianos ou do presidente da Colômbia", afirmou Santos durante a celebração do Dia Nacional dos Direitos Humanos.

    "Os problemas de Venezuela, repito uma e outra vez, são criados na Venezuela, não na Colômbia", disse o colombiano.

    Xinhua
    O presidente colombiano, Juan Manuel Santos (ao centro), com ministros, em cerimônia do Dia dos Direitos Humanos
    O presidente colombiano, Juan Manuel Santos (ao centro), com ministros, em cerimônia do Dia dos Direitos Humanos

    Foi a declaração mais forte de Santos desde que há três semanas o governo de Maduro determinou o fechamento da fronteira com a Colômbia após três membros da Guarda Nacional venezuelana terem sido feridos por supostos contrabandistas colombianos.

    Na segunda-feira (7), a súbita decisão da Venezuela de fechar outro importante passo fronteiriço com a Colômbia, no Estado de Zulia, deixou trabalhadores, turistas e membros de uma comunidade indígena nômade presos no país e aumentou as tensões entre os dois países.

    O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, ordenou o bloqueio da principal passagem de saída no maior Estado da Venezuela como parte de uma ofensiva anticontrabando que já dura duas semanas.

    Juan Barreto/AFP
    Soldado venezuelano na passagem de Paraguachón, no Estado de Zulia
    Soldado venezuelano na passagem de Paraguachón, no Estado de Zulia

    Por conta dessa decisão, organizações de acolhida e grupos de direitos humanos da Colômbia estão lutando para absorver milhares de imigrantes que fugiram de suas casas venezuelanas.

    As medidas começaram no Estado de Táchira, na fronteira com Cúcuta, cidade colombiana que há muito tempo conta com gasolina, alimentos e outros bens contrabandeados, adquiridos na Venezuela a preços subsidiados e depois negociados de forma clandestina.

    Ao mover seu foco para o norte, para o Estado de Zulia, Maduro está intervindo em um centro econômico mais importante, que tem como epicentro Maracaibo, metrópole petroleira e segunda maior cidade da Venezuela.

    FILA

    Carros em uma longa fila esperavam uma chance de passar por um posto fronteiriço na noite de terça-feira, enquanto soldados entediados assistiam a um jogo de futebol.

    O motorista de ônibus venezuelano Hector Medina passou o dia todo, sob um calor sufocante, parado no lado colombiano da fronteira, enquanto seus passageiros tentavam cruzar a pé para a Venezuela.

    "Você simplesmente não pode, do nada, fechar a fronteira e deixar todo mundo trancado desse jeito", disse.

    Em duas semanas, Maduro fechou seis saídas fronteiriças e deportou cerca de 1.500 colombianos que não tinham permanência legal. Ele culpa os imigrantes por uma onda de crimes e contrabando ao longo da margem ocidental da Venezuela.

    Cerca de outros 20 mil colombianos, entre os quais pessoas que viveram na Venezuela durante anos, voltaram a seu país voluntariamente, com medo de represálias, após relatos de que forças de segurança estariam desalojando imigrantes e marcando suas casas para demolição.

    A enxurrada de colombianos voltando sobrecarregou os abrigos de emergência, o que levou a Colômbia a lançar alerta sobre uma iminente crise humanitária.

    Na terça-feira, o presidente colombiano dissera que não se ocuparia com provocações. "Não vamos responder a insultos", disse.

    ÍNDIOS

    Maduro também poderia enfrentar resistência de centenas de milhares de índios wayuu, instalados em ambos lados da fronteira, que não reconhecem a divisão internacional.

    Há muito tempo, a tribo controla a vida econômica na isolada península de Guajira, compartilhada pelos dois países no extremo norte da América do Sul, e que está profundamente vinculada ao contrabando, o que eles não consideram um ato ilícito.

    As autoridades venezuelanas disseram que vão respeitar o nomadismo tradicional dos wayuu e aumentar os programas de incentivo à educação, mesmo com um envio adicional de 3.000 soldados a Zulia.

    "Eles são os mestres de sua própria terra", disse o vice-presidente Jorge Arreaza. "Estarão livres para ir aonde quiserem, só que não com o contrabando."

    Mas alguns membros da comunidade indígena disseram que haviam sido barrados em postos de controle e teriam que tentar passar sorrateiramente pela fronteira. Os líderes já estavam denunciando publicamente o fechamento da região na terça-feira à tarde.

    "Não acho que mereçamos isso, porque tudo o que fazemos é cuidar da nossa terra", disse o ativista wayuu Ricardo Fernández.

    Maduro disse que mais postos de fronteira podem ser fechados nos próximos dias. No mesmo pronunciamento, se ofereceu para receber 20 mil refugiados da guerra civil na Síria.

    Nos últimos dias, a Colômbia intensificou uma campanha diplomática contra a ofensiva fronteiriça.

    'BODES EXPIATÓRIOS'

    A ministra de Relações Exteriores, María Ángela Holguín, se reuniu com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em Genebra, na segunda-feira, para denunciar o que chamou de uma campanha deliberada de transformação dos colombianos em bodes expiatórios dos profundos problemas econômicos da Venezuela, que incluem escassez generalizada e uma inflação de quase 70%.

    Nesta quarta-feira, ela viajaria a Nova York para um encontro com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que na semana passada tratou da crise com Maduro na China.

    Maduro diz ser o alvo dos conservadores da Colômbia, que contariam com apoio dos Estados Unidos, empenhados em derrubar seu governo socialista, enquanto fecham os olhos para décadas de violência política e movida a drogas na Colômbia, o que fez da Venezuela, segundo ele, um refúgio para muitos pobres do seu vizinho.

    Maduro repetiu a proposta de se reunir com Santos para resolver a crise.

    O fechamento da fronteira em Zulia teve pelo menos um efeito econômico imediato: o preço da gasolina quase dobrou durante a noite. O combustível é quase gratuito na Venezuela, e os contrabandistas mantêm um comércio ativo do produto nas cidades fronteiriças colombianas.

    Os efeitos sociais que a ofensiva fronteiriça vem tendo em relação aos estimados 5 milhões de cidadãos colombianos que vivem na Venezuela são mais sutis, mas também poderiam ser mais duradouros.

    Luís Fernando Mondragon, 51 anos, caminhou uma hora e meia por uma trilha rudimentar para chegar ao lado colombiano da fronteira na terça-feira, levando todos os seus pertences.

    Ele vivia em San Cristóbal, mas disse que a discriminação contra os colombianos tinha se tornado insuportável.

    "Estou voltando para a minha terra, para colher grãos de café e me esquecer disso tudo", afirmou.

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