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    Documentarista aborda estupro coletivo que chocou a Índia

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    DE SÃO PAULO

    12/09/2015 02h00

    Anindito Mukherjee - 3.mar.2015/Reuters
    A documentarista britânica Leslee Udwin, que dirigiu "India's Daughter"
    A documentarista britânica Leslee Udwin, que dirigiu "India's Daughter"

    Em 16 de dezembro de 2012, um estupro chocou o mundo. A estudante de fisioterapia Jyoti Singh foi violentada por seis homens num ônibus em Nova Déli, na Índia. Um deles, de 17 anos, enfiou a mão na vagina de Jyoti e arrancou seus intestinos. Ela morreu 13 dias depois.

    Pouco depois, milhares de pessoas na Índia e em outros países foram às ruas protestar contra a violência contra as mulheres. Ao assistir a essa "Primavera Árabe da igualdade entre os sexos", a documentarista britânica Leslee Udwin resolveu "amplificar a voz dos manifestantes".

    Seu documentário "India's Daughter" (filha da Índia), que conta em detalhes essa história chocante, foi exibido em 8 de março em TVs do mundo todo, mas censurado na Índia porque poderia "causar tensões sociais".

    Udwin virá ao Brasil na semana que vem, trazida pela ONG Plan International, para uma sessão gratuita de seu filme, seguida de debate. Leia trechos da entrevista com ela.

    *

    Folha - Por que a senhora resolveu passar dois anos na Índia para fazer o filme?

    Leslee Udwin - O que me impeliu não foi o estupro coletivo, mas a resposta a ele, a esperança personificada por milhares de indianos que protestaram. O mínimo que eu podia fazer, enquanto manifestantes aguentavam cassetetes e canhões d'água da polícia, era usar minha energia para amplificar sua voz.

    O contexto cultural na Índia predispõe a estupros?

    Acho que há um contexto cultural no mundo todo que predispõe os homens a cometerem estupros, traficarem mulheres, casarem com meninas menores de idade. Para mim, não é um problema específico da Índia.

    Recentemente houve um estupro coletivo no Piauí, no Brasil. A sra. acredita que esse tipo de crime acontece do mesmo jeito em sociedades mais e menos conservadoras?

    Acho que a cultura do lugar dita o grau de expressão da mentalidade machista. Pode ser mais sutil no Reino Unido. Na Índia, quando nasce um menino, a família distribui doces; quando é menina, ela recebe condolências.

    Isso se a menina nascer, porque há alto índice de aborto de fetos do sexo feminino...

    Exato. Você tem a tradição do dote (proibida por lei, mas ainda praticada), e é por isso que muitas famílias se livram de bebês do sexo feminino, porque dote significa dívida.

    *Em 2014, muitos se chocaram com uma pesquisa no Brasil (do Ipea) mostrando que 13,2% acham que mulheres que usam roupas provocantes "merecem" ser estupradas

    Pois é, é no mundo todo. Recentemente, Chrissie Hynde [a líder da banda The Pretenders disse, em entrevista, que se considerava "responsável" por ter sido estuprada aos 21 anos] me decepcionou muito. Entendo que ela passou por um trauma e se culpa por isso. Fiz isso depois que fui estuprada, aos 18 anos.

    A sra. foi estuprada?

    Sim, e também me culpei por não ter sido mais esperta. Tenho vergonha de dizer: não apenas eu não fui à polícia como não contei a ninguém.

    Então, acho que é muito egoísta e irresponsável Chrissie Hynde fazer esse comentário. A Índia, por exemplo, é um lugar onde esse sentimento de vergonha fica colado à sobrevivente de estupro.

    O que a sra. sentiu ao entrevistar Mukesh (um dos estupradores) na prisão, quando ele disse "uma garota decente não sai de casa à noite. A mulher é mais responsável pelo estupro do que o homem"?

    Fiquei com medo de sentir muita raiva, por causa da minha experiência. Ao todo, falei com sete estupradores por 31 horas e não senti raiva, e sim imensa tristeza com o mundo que ensinou esses homens a pensarem assim.

    Eles estavam arrependidos?

    Nenhum. Não tiveram remorsos nem por um segundo. Um deles estava preso havia cinco anos por ter estuprado uma menina de cinco anos.

    Na sua opinião, por que eles não sentem remorsos?

    Porque, no fundo, eles não acham que fizeram alguma coisa errada. Por exemplo, se você é um hutu em Ruanda e é ensinado desde o dia em que nasceu que os tutsis são baratas, você vai destruí-los quando tiver a oportunidade.

    "INDIA'S DAUGHTER''
    QUANDO: Quarta (16/9), às 20h
    ONDE: Auditório Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº)
    QUANTO: Grátis; Retirada dos ingressos 1h30 antes da exibição

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