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    Para analista americano, intervenção humanitária na Síria não é solução

    MARCELO NINIO
    DE WASHINGTON

    13/09/2015 02h00

    A imagem do menino sírio Aylan Kurdi, de 3 anos, morto numa praia da Turquia, chocou o mundo e despertou a atenção para o drama dos refugiados.

    Na origem do problema, um conflito sangrento que já dura quatro anos e obrigou metade da população do país a deixar suas casas.

    Encurralada por brutalidade de todos os lados –da ditadura de Bashar al-Assad ao terrorismo do grupo Estado Islâmico–, resta aos civis fugir, porque o mundo nada pode fazer para resolver o conflito.

    O diagnóstico pessimista é de Andrew Bacevich, respeitado analista militar americano.

    Para ele, uma intervenção militar humanitária na Síria não é viável.

    Além do lado profissional, Bacevich tem um envolvimento pessoal doloroso com as guerras no Oriente Médio: seu filho Andrew Jr., 27, foi morto no Iraque em 2007, quando estava a serviço do Exército americano.

    Leia trechos de sua entrevista.

    Win McNamee/Getty Images/AFP
    Andrew Bacevich participa de audiência no Senado em 2009
    Andrew Bacevich participa de audiência no Senado em 2009

    *

    Folha - O sr. disse que o surgimento do Estado Islâmico foi consequência do caos criado no Iraque pela invasão americana. Agora o EI aterroriza os sírios. Pode-se atribuir a origem da atual crise dos refugiados sírios à guerra no Iraque de George W. Bush em 2003?
    Andrew Bacevich - Não diria que os EUA foram os únicos culpados por essa crise. Mas, com todos os horrores do regime de Saddam Hussein, na época em que ele estava no poder não havia movimento islâmico radical no Iraque.

    Quando os EUA invadiram o Iraque, em 2003, o governo achava que poderia instalar rapidamente uma ordem estável. Na realidade, criou um caos, de onde surgiu uma organização chamada Al Qaeda.

    Os esforços antiterroristas dos EUA entre 2003 e 2011 praticamente destruíram a Al Qaeda no Iraque. Foi um sucesso militar. Mas, quando os EUA se retiraram, em 2011, as condições no Iraque eram tão desordenadas que uma nova organização chamada Estado Islâmico (EI) emergiu.

    O EI é um sucessor da Al Qaeda no Iraque, que por sua vez não teria existido sem a invasão americana em 2003.

    Os horrores contra civis na Síria justificam uma intervenção humanitária armada?

    O problema de uma intervenção humanitária é supor que a força militar pode remediar uma crise dessas de forma rápida e eficiente.

    A situação no Iraque e na Síria é horrenda. Certamente pode-se argumentar que os EUA possuem capacidade militar suficiente para destruir o EI. A questão é o que vem depois. Os EUA ocuparam o Iraque por oito anos e meio e não foram capazes de botar ordem. Se intervierem novamente, haverá uma nova ocupação por oito, dez, 50 anos?

    A intervenção militar humanitária tende a consequências indesejadas. Fora isso, os americanos não têm estômago para outra ação. Há uma tendência a achar que os EUA deveriam limpar o planeta, mas o país não tem tido sucesso nisso.

    Não é possível lidar com a origem do problema, a guerra, em vez de apenas cuidar de suas consequências?
    Para lidar com a origem, é preciso primeiro identificar o problema. Se é a violência e a desordem no Oriente Médio, é um problema com raízes históricas muito profundas, que tem a ver com religião, com etnicidade, com o legado do colonialismo europeu, com a existência do Estado de Israel, com as guerras travadas pelos EUA nas últimas décadas. É um problema imensamente complexo.

    Quando vemos uma criança morta na costa da Turquia após tentar escapar do horror da guerra, é de cortar o coração. É inaceitável que aconteça no século 21. Mas, em termos práticos, o poder militar não pode fazer muito. Se o sofrimento de uma criança é tão inaceitável, leve-a para o Brasil, para a Alemanha, para os EUA. Não faz o problema desaparecer, mas é o que podemos fazer.

    Os ataques aéreos dos EUA contra o EI têm algum efeito?
    Tudo indica que não. Relatórios da inteligência americana mostram que o Estado Islâmico é capaz de substituir combatentes com a mesma velocidade com que os matamos. Diante da falta de apoio público em qualquer lugar do mundo a uma intervenção terrestre e de fracassos militares passados dos EUA na região, a opção militar que resta é a que o governo Obama está adotando: melhora da capacidade das forças da região, como o Exército iraquiano, aliada a um modesto uso de força aérea.

    Alguns analistas criticam Obama por omissão e preveem que a Síria será para o legado dele o que foi para Bill Clinton o genocídio de Ruanda, em 1994. O sr. concorda?
    Os exemplos não são realmente comparáveis. Há mais complexidades no caso da Síria. Ruanda foi muito mais claramente um caso de genocídio em que inocentes foram massacrados em massa.

    Na Síria também muita gente inocente é morta, mas não é o caso do bem contra o mal. Podemos concordar que o regime de Assad é o mal, mas entre seus oponentes, incluindo o EI, não há anjos.

    A política dos EUA não deu certo, mas não acho que foi por falta de vontade do presidente. O governo tentou apoiar os chamados rebeldes moderado sírios, mas isso não funcionou.

    As pessoas às vezes acham que o presidente americano pode fazer acontecer num estalar de dedos, mas não é bem assim. O mundo é um lugar bem complicado.

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