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    Desaparecimento de alunos encorajou mexicanos a denunciar outros casos

    CHRISTOPHER SHERMAN
    DA ASSOCIATED PRESS

    18/09/2015 07h00

    O comboio de homens armados se espalhou pelo município de Cocula, no Estado de Guerrero, sul do México, antes do amanhecer.

    Uns carregavam nomes nas mãos e se dirigiram a algumas casas. Outros simplesmente varreram da face da Terra quem cruzou seus caminhos.

    Dezessete pessoas desapareceram de Cocula neste único dia, 1º de julho de 2013 –mais de um ano antes de que o desaparecimento de 43 estudantes universitários na cidade vizinha de Iguala desviasse os olhos do mundo para as montanhas do norte de Guerrero e para o problema dos desaparecidos no México.

    O desaparecimento dos alunos da Escola Normal Rural de Ayotzinapa, em 26 de setembro de 2014, deu coragem a centenas de outras famílias com entes queridos desaparecidos para tomar a decisão de denunciar os casos, muitas delas, pela primeira vez.

    Esses, segundo eles, foram os "outros desaparecidos".

    Entre eles estava Rosa Segura Giral, que esperou mais de um ano para relatar o sequestro da sua filha de 19 anos, Berenice Navarijo Segura.

    Berenice desapareceu naquele dia de julho em Cocula, poucas horas antes de sua formatura no ensino médio.

    "E se eu fizer a denúncia e minha filha estiver por perto e eles souberem que falei sobre isso?", se perguntava Rosa Segura Giral. "Será que eles não poderiam machucá-la ou algo assim?."

    Quando outras famílias começaram a se reunir em uma igreja de Iguala, no outono passado (no hemisfério Norte), para procurar seus desaparecidos nas montanhas dos arredores, foi que Segura Giral finalmente apresentou uma queixa formal às autoridades.

    Mais de 25,5 mil pessoas desapareceram no México entre 2007 e 31 de julho de 2015, de acordo com a contagem do governo.

    Nos últimos meses, a agência Associated Press entrevistou familiares de 158 desses "outros desaparecidos" que decidiram relatar seus casos na igreja, fornecer amostras de DNA e percorrer as montanhas da região com facões e barras de aço em busca de túmulos escondidos.

    Muitos deles estavam bastante relutantes em ser entrevistados. Ainda com medo, mas também furiosos, eles falavam com hesitação sobre crianças, pais e irmãos arrastados diante dos seus olhos, sobre quem saiu de casa para trabalhar ou passou por algum lugar para comprar leite e parece ter sido engolido pela terra.

    Com exceção de 15 casos, homens e meninos são a totalidade desses 158 desaparecidos. São pessoas com idades que variam entre 13 e 60 anos, a maioria delas com menos de 30 anos.

    As famílias descobriram 60 túmulos e, com a ajuda de autoridades federais, recuperaram os restos mortais de 104 pessoas. Seis deles foram identificados e devolvidos às suas famílias.

    Há muitas razões possíveis para os sequestros: recrutamento para compor as fileiras do cartel com homens jovens, ataques a adversários, lucro com o dinheiro do resgate ou punição àqueles que não lhes fizeram pagamentos por meio de extorsão.

    Independentemente da razão, os raptos semeiam o medo.

    O medo e o silêncio derivados disso permitem que os cartéis trabalhem sem obstáculos.

    Sua infiltração na polícia era tão profunda que, depois do desaparecimento dos 43 estudantes, as autoridades federais prenderam 66 integrantes das forças policiais de Iguala e Cocula.

    De acordo com a investigação do governo, a polícia local havia detido os estudantes de forma ilegal e, em seguida, entregou-os à quadrilha Guerreiros Unidos, para que fossem mortos.

    México - Cocula

    ÓPIO

    Iguala é uma importante parada no negócio do ópio, produzido no alto das montanhas que circundam a cidade.

    É o início do caminho rumo aos Estados Unidos. Essa distinção geográfica faz com que o território seja um prêmio valioso para os vários cartéis de drogas concorrentes que operam na região.

    Na manhã da formatura de Berenice, sua família ouviu a saraivada de tiros dos 20 a 30 homens que se aproximavam da casa de Luis Alberto Albarran Miranda, de 23 anos, e de seu irmão de 14 anos, José Daniel.

    A polícia de Cocula nunca saiu da delegacia, que fica a 90 metros da casa, mesmo quando homens armados arrombaram a porta e gritaram que eram policiais federais à procura de armas. Eles levaram os irmãos, que estavam desarmados e descalços.

    A menos de um quilômetro da casa de Albarran Miranda, em uma pequena colina, homens armados também dispararam em direção à casa do seu primo Victor Albarran Varela, 15.

    Enquanto alguns parentes se escondiam no porão, um irmão mais velho pulou o muro e atravessou o córrego ao lado.

    Foi baleado no tornozelo, mas conseguiu escapar.

    Victor teve o azar de estar no banheiro quando sua mãe foi obrigada a levar os homens ao esconderijo. Ele ficou cara a cara com os homens armados, que estavam à procura do irmão mais velho.

    Como não conseguiram encontrá-lo, levaram Victor "por garantia", como disse sua mãe, Maura Varela Damacio.

    Berenice Navarijo Segura desapareceu logo depois.

    Ela esperou 20 minutos após o final do tiroteio e pulou na garupa da moto do namorado com o plano de fazer o cabelo e se maquiar no centro da cidade.

    Quando sua mãe viu o comboio de caminhonetes passar por sua casa, em direção à saída da cidade, horas depois, nunca poderia imaginar que Berenice e o namorado estavam dentro de uma delas.

    "Nunca pensei que isso pudesse acontecer comigo. Nunca, nunca, nunca na minha vida. Nunca pensei que as pessoas poderiam querer fazer tanto mal. Porque o que eles fazem é te infligir dor", diz Segura Giral baixinho. "Muita dor."

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