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    Viagem do papa sela mediação que reaproximou EUA e Cuba

    SAMY ADGHIRNI
    EM SÃO PAULO

    19/09/2015 02h00

    Nove meses após Cuba e EUA anunciarem uma histórica reaproximação sob mediação da Igreja Católica, o papa Francisco inicia neste sábado um giro pelos dois países para reforçar uma normalização ainda contestada.

    Numa viagem carregada de simbolismos, o papa visitará três cidades cubanas antes de voar para os EUA, onde discursará no Congresso e na Assembleia-Geral da ONU.

    A parada em Cuba visa demonstrar apoio do Vaticano à agenda de reformas implementada desde 2008 pelo ditador Raúl Castro, como a suspensão de algumas restrições à livre circulação das pessoas e a liberalização parcial do comércio, segundo fontes da igreja e especialistas consultados pela Folha.

    O respaldo do papa às mudanças legitima o argumento de que Cuba está fazendo a sua parte nas negociações com os EUA. Em contrapartida, Havana exige o fim do embargo comercial americano que asfixia a ilha desde 1962.

    "É importante que o papa reconheça que algumas coisas estão melhorando em Cuba, inclusive em matéria de liberdade religiosa", diz o vaticanista americano Thomas Reese, numa referência ao alívio gradual das restrições à atuação da igreja no país.

    Editoria de Arte/Folhapress

    "Francisco está ajudando a implementar a velha ideia de que Cuba deve se abrir para o mundo, e o mundo deve se abrir para Cuba."

    O papa terá encontros com o governo e líderes religiosos, mas o Vaticano descartou contato com a oposição. Tampouco se espera que Francisco, notório crítico dos excessos capitalistas, ceda a pressões conservadoras para condenar desvios de um regime socialista que viola direitos humanos e liberdades.

    "Papas sempre agem em sintonia com bispos locais, e os bispos cubanos têm boa relação com o governo", afirma o brasileiro Frei Betto.

    Críticos minimizaram o recente anúncio de que mais de 3.000 prisioneiros serão libertados num aparente gesto de boa vontade, pois a lista exclui pessoas condenadas por "atentado à segurança do Estado" (presos políticos) e abrange detentos cujas penas estavam prestes a terminar.

    Cético em relação à reaproximação com os EUA, o opositor Antonio Rodiles diz que o silêncio sobre abusos na ilha comprometeria o discurso em que o papa pedirá aos parlamentares americanos a anulação do embargo.

    "Se o papa chegar aos EUA sem avanços em direitos humanos, com que argumentos ele pretende convencer o Congresso a aliviar o cerco à ilha?", questiona Rodiles.

    RESISTÊNCIAS

    Apesar do aparente consenso político nos EUA para receber o papa de braços abertos, a reaproximação com Cuba esbarra na resistência do Partido Republicano e do eleitor conservador.

    O papa também deverá tratar de Guantánamo, a base militar que os EUA mantêm em território cubano desde o fim da guerra hispano-americana, no início do século 20.

    "É um processo que pode levar tempo, mas o papa trabalha para que a base seja devolvida a Cuba", diz Frei Betto, que vê as paradas em Santiago e Holguín, cidades cubanas próximas a Guantánamo, como recado aos EUA.

    Biógrafo de Francisco, Austen Ivereigh diz que a viagem é a continuação natural das tramitações conduzidas em sigilo pelo Vaticano por mais de um ano até o anúncio da normalização, em dezembro último.

    "A coreografia deste giro foi bem pensada por Francisco. Para ele, o mar que separa Cuba dos EUA equivale ao que foi o muro de Berlim para João Paulo 2º [1978-2005]", diz Ivereigh.

    Cuba

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