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    População síria é bombardeada por todos os lados, diz oposicionista

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    DE SÃO PAULO

    04/10/2015 02h30

    Enquanto EUA e Rússia "brincam" de Guerra Fria na Síria, a população do país é ignorada e bombardeada por todos os lados -pelo Estado Islâmico, pelos russos, pelos americanos e sua coalizão, pelo ditador Bashar al-Assad, pelo Irã e pelo Hizbullah.

    Esse é o diagnóstico de Rafif Jouejati, 50, porta-voz da oposição síria que participou das negociações de paz em Genebra, em 2014, e hoje representa os Comitês de Coordenação Local na Síria, uma rede de ativistas do país.

    Ammar Abdullah/Reuters
    Carregando pães, garoto caminha pelas ruas de Latamneh (noroeste), cidade atingida na sexta (2) por ataque aéreo russo
    Garoto caminha pelas ruas de Latamneh (noroeste), cidade atingida na sexta (2) por ataque aéreo russo

    "A população síria está sitiada pela comunidade internacional, que só faz promessas vazias de ajuda e, enquanto isso, bombardeia o país", diz Jouejati, que vive nos EUA e falou à Folha por Skype de Gaziantep (Turquia, perto da fronteira síria).

    Segundo ela, a oposição síria recusa qualquer transição negociada com Assad no poder. "O povo sírio rejeita a permanência de Assad, não importa quão conveniente isso seja para os interesses russos ou para os apáticos líderes americanos e europeus."

    Para ela, Assad e seu regime são criminosos de guerra que precisam ser levados ao Tribunal Penal Internacional.

    "Pedir uma negociação com Assad no poder é, em menor escala, a mesma coisa que pedir aos judeus que negociem com Hitler, porque Assad é nosso Hitler e essa guerra é nosso Holocausto."

    Os russos iniciaram, nesta semana, uma campanha de ataques aéreos a cidades sírias, afirmando que iriam se juntar aos esforços internacionais para combater o EI.

    Mas os bombardeios atingiram vários redutos da oposição a Assad. A Rússia é aliada do regime, que compra armas de Moscou e garante aos russos o uso de bases militares e acesso ao Mediterrâneo.

    "Os russos bombardeiam a oposição moderada e qualquer civil anti-Assad. Os EUA precisam pressionar Putin a retirar suas forças ou ao menos deter a escalada da atividade militar", diz Jouejati.

    Na sua percepção, enquanto os EUA não cumpriram as promessas de ajudar a oposição, houve uma escalada militarista do Irã, do Hizbullah e da Rússia na Síria. "Protestamos contra isso há anos. É engraçado o governo Obama ter se surpreendido tanto com os ataques russos", afirma.

    'FRACASSO COMPLETO'

    Os EUA apostaram em uma estratégia de bombardear posições do EI na Síria enquanto treinavam e armavam integrantes da oposição, mas com resultados bastante modestos. Para Jouejati, essa estratégia "foi um fracasso completo".

    "Os ataques aéreos não reduziram a capacidade do EI, que ainda domina as mesmas cidades e está avançando", diz. "Já o treinamento chega a ser ridículo. Vimos um general americano em audiência no Congresso dizer que só sobraram quatro ou cinco rebeldes, que a maioria foi morta ou entregou suas armas a grupos ligados à Al Qaeda."

    Sobre a percepção de que a Europa irá tolerar a ação russa porque espera que ajude a solucionar o conflito e reduza o total de refugiados buscando abrigo no continente, a oposicionista é taxativa.

    Editoria de arte/Folhapress

    "É uma falácia achar que a intervenção russa vai ajudar a reduzir o número de refugiados ou eliminar o EI. Quanto mais bombardeios, mais refugiados: agora teremos bombas de Assad, do EI, da coalizão e também dos russos."

    Para ela, o envolvimento de Moscou na Síria vai ser um "ímã de jihadistas", um apelo poderoso para que mais extremistas entrem na guerra.

    Além de pressionar Putin, Jouejati espera que os EUA e a coalizão pensem numa estratégia para implementar uma zona de exclusão aérea e corredores humanitários. Além de aceitarem um número bem maior de refugiados.

    "Os EUA e a UE têm obrigação moral de aceitar mais refugiados. Não só 10 mil ou 15 mil, porque há literalmente milhões de sírios fugindo."

    CURDOS

    Em Rojava (região no norte dominada pelos curdos, que buscam autonomia) a visão é que o EI, não Assad, é a maior ameaça. Jouejati insinua que poderia haver uma trégua não oficial entre curdos e Assad.

    "O regime é bem capaz de prometer partes da Síria em troca de lealdade. É muito plausível ele ter negociado um acordo [com os curdos] para eliminar mais um inimigo."

    Questionada sobre o risco de uma intervenção internacional para derrubar Assad ter resultados catastróficos, como as deposições de Muammar Gaddafi na Líbia e de Saddam Hussein no Iraque, Jouejati vê situações diferentes.

    "Língua e religião predominante são as mesmas, mas isso não significa que os sistemas políticos são os mesmos e que as populações vão reagir da mesma maneira."

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