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    Milícia deixa ligação com a Al Qaeda e agora quer apoio do Ocidente na Síria

    BASSEM MROUE
    DA ASSOCIATED PRESS, EM BEIRUTE

    08/10/2015 16h55

    Os militantes conduziram os dois homens a uma praça na cidade de Aleppo, no norte da Síria, e em seguida anunciaram sua punição por não comparecer às orações da sexta-feira: 25 chibatadas aplicadas por um militante armado com uma mangueira, o que deixou suas costas recobertas de manchas escuras e feridas.

    A punição, registrada em vídeo diante de dezenas de homens e meninos, foi executada em 2013 pela Ahrar al-Sham, ou Homens Livres da Síria, uma facção militante islâmica ultraconservador ligada à rede terrorista Al Qaeda.

    Mas desde então, a milícia vem mudando de tática, buscando se retratar como uma força moderada que combate tanto as forças do presidente Bashar Assad quando os extremistas da Al Qaeda e do Estado Islâmico.

    Apoiado pela Turquia, aliada dos Estados Unidos, a Ahrar al-Sham vem tentando se redefinir como agente aceitável diante de Washington e do Ocidente, e ao mesmo tempo se distanciar da Frente al-Nusra, a afiliada da Al Qaeda na Síria.

    Para esse fim, Labib Al Nahhas, que se define como diretor de Relações Exteriores da milícia, escreveu artigos de opinião para jornais como o "Washington Post" e o "Daily Telegraph" para retratar a Ahrar al-Sham como alternativa moderada e potencial parceira dos governos ocidentais.

    A facção também prometeu derrotar o que define como "ocupação" russa da Síria depois que Moscou começou a lançar ataques aéreos contra os insurgentes na semana passada.

    Em post no Twitter, o líder da milícia, Muhammad al-Masri, advertiu que "a União Soviética entrou no Afeganistão e lá encontrou seu fim, e seus jovens enfrentarão o mesmo fim nas terras do Levante [Síria], se Deus permitir".

    Ao contrário do Estado Islâmico e da ala síria da Al Qaeda, a Frente al-Nusra, o Ahrar al-Sham não está na lista oficial de organizações terroristas do governo dos Estados Unidos.

    Porém, Washington mantém o receio em relação à milícia devido às conexões entre o grupo e a Al Qaeda, especialmente porque é sabido que um de seus fundadores tinha conexões com Ayman al-Zawahiri, o líder da rede terrorista.

    Editoria de arte/Folhapress

    DOMÍNIO TERRITORIAL

    Força poderosa e bem organizada, com milhares de combatentes espalhados pela Síria e com uma grande presença em Idlib e Aleppo, duas províncias cruciais, analistas dizem que a Ahrar al-Sham está se posicionando para desempenhar papel importante no plano da Turquia e EUA para estabelecer uma zona livre do Estado Islâmico ao longo da fronteira síria com a Turquia.

    "A Turquia vem trabalhando com afinco há mais de um ano para tentar convencer os EUA e a coalizão liderada por eles de que a Ahrar al-Sham não é a Al Qaeda, que ela pode ser separada da Frente al-Nusra", disse Fawaz Gerges, diretor do Centro para o Oriente Médio na London School of Economics. "Os norte-americanos são muito receosos".

    O primeiro-ministro turco Ahmet Davutoglu disse que Ancara não tem planos de enviar forças terrestres à Síria, mas em lugar disso deseja que as forças da oposição moderada síria assumam o controle de áreas atualmente controladas pelo Estado Islâmico perto da fronteira da Turquia.

    Considerado como a milícia moderada mais bem armada da Síria, depois do Estado Islâmico e da Frente al-Nusra, o esforço da Ahrar al-Sham para se redefinir surge em um momento no qual o Ocidente precisa desesperadamente de aliados no interior da Síria.

    Um agente dos serviços norte-americanos de combate ao terrorismo disse à Associated Press que a milícia claramente "deseja um lugar à mesa" na Síria pós-conflito, mas Washington continua cética quanto à milícia ter realmente deixado a ideologia extremista islâmica.

    Nos últimos meses, a facção realizou grandes avanços militares, capturando largos territórios na província de Idlib, entre os quais a capital da região, a cidade de Idlib.

    No mês passado, os militantes capturaram a última base aérea síria em Idlib, o que a torna a segunda província no país a sair completamente do controle do regime, depois de Raqqa, sob domínio pelo Estado Islâmico.

    Os avanços do Ahrar al-Sham também a conduziram para perto do bastião de Assad, na costa do Mediterrâneo. O esforço da milícia para se transformar causou tensões internas.

    Dentre elas, a preferência em promover combatentes locais a postos de liderança, preterindo estrangeiros. Meses atrás, a milícia mudou seu lema para "revolução do povo", um esforço para se descrever como movimento nacional.

    "Tomamos armas porque não tínhamos outra escolha —ou nos rendíamos incondicionalmente ou combatíamos para libertar nosso povo de Assad, do Irã e do EI. Optamos pela segunda escolha", escreveu Al Nahhas no "Daily Telegraph".

    Batalhas opondo a Ahrar al-Sham e seus aliados a combatentes do Estado Islâmico no norte da Síria se tornaram comuns. Os milicianos também se distanciaram de diversas figuras importantes que se opõem à intervenção turca no norte da Síria, entre as quais Abu Shuaib al-Masri, seu antigo líder religioso.

    "Creio que a Ahrar al-Sham não tenha resolvido essa tensão ideológica, essa cisão de personalidade", afirma Gerges. "O pêndulo interno da milícia está se movendo lenta e gradualmente."

    O aparente esforço da Ahrar al-Sham para cortejar o Ocidente porta riscos significativos. Ao longo dos últimos 12 meses, a Frente al-Nusra esmagou três grupos rebeldes no norte da Síria por conta de suas conexões com os Estados Unidos.

    E em um post que circulou recentemente por sites árabes, uma figura proeminente da Frente al-Nusra, Abu Firas al-Souri, foi citado como tendo acusado a Ahrar al-Sham de "fazer marketing para os projetos dos infiéis na Síria".

    O agente norte-americano de combate ao terrorismo diz que a estratégia do grupo acarreta o risco de isolamento total. Ao sinalizar a disposição de romper com a Frente al-Nusra, ele disse, a milícia pode se ver alienada da Al Qaeda e de outras milícias extremistas mas ainda assim desprovido de apoio e confiança do Ocidente.

    LIGAÇÃO

    Meses depois do começo do levante contra Assad, em março de 2011, a Ahrar al-Sham foi fundada por diversos militantes islâmicos, entre os quais Mohamed Baheya, , que tinha conexões com o líder da Al Qaeda.

    Baheya ao que se sabe teria combatido contra as forças norte-americanas no Afeganistão e no Iraque. Ele foi morto no ano passado em um atentado, enquanto tentava mediar uma união entre o Estado Islâmico e a Frente al-Nusra.

    A Ahrar al-Sham sobreviveu ao seu maior revés em setembro de 2014, quando uma misteriosa explosão na província de Idlib matou alguns de seus principais líderes, entre os quais o líder Hassane Abboud.

    Ahmad al-Ahmad, jornalista sírio em Hama e diretor do opositor Centro Sírio de Imprensa, disse que a principal fonte de renda da Ahrar al-Sham é o posto de fronteira de Bab al-Hawa, na divisa com a Turquia, onde o grupo cobra pedágio de entre US$ 15 e US$ 100 por tonelada de carga dos caminhões que passam por lá, a depender do conteúdo.

    No final de setembro, um acordo de trégua apoiado pela ONU foi obtido em duas importantes áreas de combate da Síria, que verão a transferência de milhares de civis e combatentes sunitas e xiitas de uma área para outra.

    Foi o Ahrar al-Sham —a principal facção nessas áreas— que negociou o acordo com enviados ao principal aliado de Assad, o Irã, que é amargamente odiado pelos rebeldes e considerado uma potência "infiel" pelos radicais entre eles.

    O envolvimento do Ahrar al-Sham demonstrou sua capacidade de desempenhar um papel político, para além das atividades de combate.

    No final do mês passado, o grupo escolheu Masri, nascido em Hama, como novo líder, e observadores e ativistas dizem que ele parece estar afastando o Ahrar al-Sham da Al Qaeda e de sua influência.

    "É provável que Masri também continue o movimento de abandono da colaboração com a (frente Nusra), que era uma das principais causas de preocupação entre os governos ocidentais", disse o Soufan Group, uma consultoria de segurança.

    A separação entre os dois grupos islâmicos parece estar se alargando, ele disse, "o que coloca pressão significativa sobre as alas extremistas do Ahrar al-Sham simpáticas à Al Qaeda".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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