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    Colômbia se prepara para longo pós-conflito

    SYLVIA COLOMBO
    EM MEDELLÍN

    12/10/2015 02h00

    O histórico aperto de mãos entre o presidente Juan Manuel Santos e o líder das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), Rodrigo Londoño (conhecido como "Timochenko"), em Havana, dia 23 de setembro, aponta o provável fim de uma guerra que dura 50 anos e deixou mais de 200 mil mortos.

    A perspectiva de assinar o tratado de paz em março de 2016 pode colocar o ponto final nessa novela sangrenta, mas dará início a outra, menos violenta, mas igualmente tensa.

    Raul Arboleda/AFP
    Em Medellín, "Mães da Candelária", grupo ligado a desaparecidos, defende acordo de paz com as Farc
    Em Medellín, "Mães da Candelária", grupo ligado a desaparecidos, defende acordo de paz com as Farc

    Trata-se da novela do "pós-conflito", como os colombianos têm chamado o período de reorganização do país que terá lugar após o esperado cessar-fogo bilateral. Ele definirá o que será feito das armas, dos territórios e do dinheiro das Farc. Além de decidir como serão reintegrados à sociedade os cerca de 8.000 guerrilheiros ainda na ativa.

    O governo prevê gastar 100 bilhões de pesos colombianos (R$ 130,6 milhões) em reparações a famílias de vítimas, reconstrução de infraestrutura e reintegração de famílias deslocadas pelo conflito. O processo pode levar dez anos, mas, a médio prazo, a paz pode trazer um aumento de 2% do PIB, diz.

    A presença das Farc na Colômbia

    "Assinar o acordo não é assinar a paz. É o início de um longo caminho e a oportunidade de resolver as desigualdades na zona rural, que estão na raiz da formação dos grupos guerrilheiros", disse à Folha a economista Catherine Rodriguez, da Universidad de Los Andes.

    O gasto parece alto para uma economia que vem crescendo menos (estimativa de 2,4% do PIB em 2015) devido ao fim do boom das commodities. O governo, que já pediu ajuda do Banco Mundial, anunciou que buscará parcerias e apoios internacionais.

    "A paz trará dividendos a todos os países da região. Tenho certeza de que conseguiremos atrair recursos estrangeiros com nossos esforços para combater o narcotráfico e promover progresso ambiental", disse o ministro da Fazenda, Maurício Cárdenas.

    A Colômbia é o quarto país da América Latina no ranking dos que mais atraem investimento externo (atrás de Brasil, Chile e México).

    "Nossa posição deve melhorar, pois o fim da guerra favorece a entrada de mais investidores", afirmou à Folha o analista Carlos Álvarez Gallo. "Porém, isso estará vinculado à capacidade de o governo mostrar que os ex-guerrilheiros não terão acesso imediato ao poder."

    Um dos principais pontos do acordo de paz cria condições para que ex-integrantes das Farc tenham um partido político e participem de eleições. Trata-se do item mais polêmico das negociações –pesquisa recente da revista "Semana" mostra que mais de 60% dos colombianos se opõem ao acesso de ex-guerrilheiros a cargos públicos.

    Uma das apostas do governo para revitalizar a economia é o turismo, aproveitando a diversidade de destinações do país, cujas paisagens incluem praia, montanha e selva. Muito desse território estava tomado pela guerrilha, e era de difícil acesso.

    "Se há uma consequência positiva dessa guerra é o fato de que as Farc, ao ocupar parte do território, o preservou do desmatamento e da destruição. Os colombianos e os turistas vão encontrar paisagens intocadas", completa Carlos Álvarez Gallo.

    O turismo é o segundo gerador de divisas para o país. Responde por 5,9% do PIB, à frente de produtos tradicionais, como o café e a banana. Nos últimos dez anos, cresceu 12%, enquanto outras áreas sofriam desaceleração.

    "DESPLAZADOS"

    Os analistas veem como outro ponto de execução complicada a devolução de terras aos camponeses que tiveram de abandonar suas propriedades para fugir do conflito ou da extorsão pela guerrilha e por paramilitares.

    Ao todo, são mais de 5 milhões de deslocados internos (os "desplazados"), o que faz da Colômbia um dos países onde o problema é mais agudo, segundo a ONU.

    Um milhão deles se instalou nos arredores de Bogotá, onde cresceram bairros periféricos com pouca estrutura. "A cidade não pode mais crescer desse jeito desordenado e condenando parte da população a viver em más condições", disse à Folha o ex-prefeito Enrique Peñalosa, que concorre novamente ao cargo em eleição dia 25.

    Se o acordo for assinado como espera o governo, o retorno dessas pessoas a suas antigas propriedades está garantido. Só não foi definido quem paga a conta de transporte e reinstalação.

    Além disso, governo e especialistas concordam que o destino de pelo menos metade dos ex-guerrilheiros que não tiverem pena a cumprir deve ser os centros urbanos importantes do país.

    "Será necessário incluir nos planos do pós-conflito um programa de estímulo à contratação dessas pessoas, com algo como renúncia fiscal", disse Álvarez Gallo.

    "Também teremos de combater a resistência e o preconceito por parte da população. Pesquisas mostram que a cidade tende a um sentimento de vingança", diz María Victoria Llorente, diretora da ONG Fundación Ideas Para la Paz. "Precisamos de uma mudança cultural."

    Ela lembra que, no passado, a Colômbia integrou ex-guerrilheiros e ex-paramilitares. "Hoje Bogotá é comandada por um ex-membro do M-19 [Gustavo Petro], a guerrilha que [em 1985] invadiu o Palácio da Justiça e matou magistrados."

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