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    Jovens palestinos estimulam nova onda de agressões

    JODI RUDOREN
    DO "THE NEW YORK TIMES", EM JERUSALÉM

    14/10/2015 18h19

    Na manhã do ataque, Subhe Abu Khalifa não se levantou para ir trabalhar. Disse à sua mãe que estava cansado demais e que seus pés doíam.

    Ele tinha passado a noite vendo e revendo imagens de uma palestina que, segundo a polícia israelense, tinha esfaqueado um judeu nas costas na Cidade Velha de Jerusalém. Ela acabou sendo baleada.

    Em vez de ir ao seu trabalho de aprendiz de eletricista, Khalifa, 19, afiou uma faca que tinha comprado no dia anterior –conforme relato feito mais tarde a seu irmão por amigos– e atacou um israelense perto da sede da polícia.

    Com isso, ele ingressou no rol dos jovens palestinos que, incentivados pelas mídias sociais, vêm decidindo por conta própria atacar israelenses. De acordo com as autoridades, sete israelenses foram mortos e dezenas deles foram feridos em duas dúzias de incidentes ocorridos desde 1º de outubro.

    "Estamos vendo algo como um polvo, que tem muitas mãos, mas não tem cérebro", comentou Orit Perlov, especialista em mídias sociais árabes do Instituto de Estudos de Segurança Nacional, em Tel Aviv.

    "Não é preciso nada sofisticado. Estamos falando de garotos de 15 anos. Basta escrever a palavra 'it'an', 'esfaquear' em árabe, e quem tiver uma faca em casa e quiser usá-la vai fazê-lo."

    A violência voltou a se intensificar nesta terça-feira, com dois ataques mortais em Jerusalém, num dos quais a polícia disse que dois palestinos com uma arma de fogo tentaram assumir o comando de um ônibus.

    Foram mortos três israelenses e pelo menos dois de três agressores palestinos. Autoridades palestinas disseram que 30 palestinos foram mortos neste mês, a maioria depois de incidentes de esfaqueamentos ou choques violentos em Jerusalém Oriental, na Cisjordânia e na barreira que separa Israel da Faixa de Gaza.

    O levante violento atual tem caráter muito diferente da segunda intifada palestina, em que ataques suicidas foram orquestrados por grupos armados bem organizados.

    Ele consiste em agressões individuais cometidas por jovens que não têm vínculos com nenhum movimento político formal.

    As armas usadas são na maioria das vezes facas pequenas, mas também chaves de fenda e até um descascador de batatas. E a inspiração dos atacantes parece vir de seus smartphones, que exibem um fluxo interminável de vídeos, como aquele que Khalifa viu e reviu antes de fazer o ataque.

    Esses agressores sem líderes vivem em comunidades que aplaudem os agressores que morreram, muitas vezes sem fazer nenhuma menção aos atos de violência que eles próprios cometeram.

    Eles são motivados por campanhas travadas nas mídias sociais –algumas pelo Hamas e por outros movimentos islâmicos militantes, e muitas por indivíduos enfurecidos–, repletas de lâminas resplandecentes e manuais que ensinam como atacar.

    Um elemento que vem acirrando os ânimos ainda mais são vídeos virais –também transmitidos por redes palestinas oficiais– que mostram israelenses disparando tiros fatais contra atacantes, cujos nomes são imediatamente acrescentados à lista do Facebook dos chamados mártires.

    A palavra de ordem que instiga os agressores é a defesa da Al Aqsa, a mesquita no coração de um complexo disputado da Cidade Velha que líderes palestinos continuam a insistir que Israel quer dividir, apesar de o primeiro-ministro ter repetidamente insistido que não.

    Israel se esforça para tentar reprimir os ataques, recorrendo a táticas cada vez mais rígidas, mas constatou que sua repressão alimentou um ciclo de Sísifo: quando tropas invadiram o campo de Shuafat depois do ataque lançado por Khalifa, por exemplo, enfrentaram uma turba de homens revoltados, alguns deles armados, e acabaram matando um dos vizinhos do rapaz.

    Dois dias depois, outro homem de Shuafat apunhalou dois policiais israelenses e também foi morto a tiros. Outra revolta explodiu no campo.

    "Esses ataques são de natureza viral: uma pessoa age, é morta e em seguida é glorificada. Isso leva outras pessoas a quererem agir", disse Daniel Nisman, presidente da empresa israelense de análises de segurança Levantine Group.

    "Existe um número importante de pessoas que, basicamente, estão dispostas a cometer ataques suicidas; elas apenas não têm acesso a armas sofisticadas."

    Quatorze dos 23 alegados agressores –desde 3 de outubro– tinham 20 anos ou menos, e um tinha apenas 13 anos, segundo uma compilação de boletins policiais feita pelo Levantine Group.

    Como Khalifa, pelo menos 16 dos 23 são de Jerusalém Oriental, onde a Autoridade Palestina não tem presença e os moradores se queixam de descaso grave por parte das instituições israelenses.

    Uma charge grosseira que circulou no Facebook, inclusive na página da TV oficial palestina, até desaparecer na noite de terça-feira, mostrava um soldado israelense como macaco. Acompanhado por um porco, o macaco estava debruçado sobre um rapaz ensanguentado.

    Outra charge traz um close de uma lâmina ameaçadora com a legenda: "Não é difícil. Procure a cozinha mais próxima e saia em nome de Deus".

    Um oficial da segurança israelense disse que –tirando os supostos responsáveis pelos ataques da terça-feira em Jerusalém e cinco membros do Hamas presos por ligação com o ataque de 1º de outubro, que matou um casal israelense diante de seus quatro filhos– nenhum dos suspeitos recentes é filiado a nenhum grupo conhecido ou foi preso anteriormente.

    Pedindo anonimato para falar, devido às normas de sua agência, o oficial mencionou que os suspeitos, em sua maioria, não são religiosos e observou que nenhum deles é barbado, como é comum no caso dos muçulmanos devotos.

    Eles decidiram agir "na própria manhã do esfaqueamento" ou "no máximo um ou dois dias antes", ele disse, dando às forças de segurança "chance zero de prevenir seus ataques".

    Perlov, o especialista em mídias sociais árabes, disse que nos últimos meses os serviços de segurança israelenses e palestinos prenderam centenas de pessoas que instigam outras on-line, mas que isso não ajudou muito porque "as ideias estão se tornando imortais. Você pode derrubar páginas, mas, em última análise, as ideias se multiplicam".

    Os parentes de Muhanad Halabi disseram que, olhando em retrospectiva, deveriam ter imaginado que alguma coisa ia acontecer.

    Halabi, 19, estudava direito na Universidade Al-Quds e estava de cara fechada desde a morte de seu amigo Dia Talahma, 21, em 22 de setembro.

    Militares israelenses disseram que Talahma morreu quando uma granada que estava atirando contra tropas na Cisjordânia ocupada explodiu antes da hora. Halabi substituiu sua foto de perfil pela de Talahma.

    Sua mãe, Suheir Halabi, disse que no dia 2 de outubro seu filho "não estava normal", explicando: "Ele sempre me dá boa noite, mas na noite anterior ele fez questão de me beijar. Beijou minha mão e perguntou: 'Você me ama, mãe?'."

    Na manhã seguinte, Muhanad Halabi beijou seu irmão Mustafa, 10, perguntando se ele estava chateado com alguma coisa, e depois fez uma parada para visitar sua avó doente antes de ir para a faculdade. No campus, ele discursou num comício.

    "Ele disse que precisamos nos colocar ao lado de nossas irmãs que estão sendo atacadas na Al Aqsa, que precisamos defender a mesquita", disse Mahmoud, primo de Halabi, segundo lhes contaram pessoas que estavam no comício. "Estava dizendo ao povo: 'estou prometendo uma coisa a vocês'."

    Duas horas mais tarde, Muhanad Halabi esfaqueou fatalmente dois homens ortodoxos na Cidade Velha e feriu a esposa e o filho de 2 anos de um deles, antes de ser morto a tiros. No Facebook, ele agora é admirado, apontado como "o leão" ou "o trovão" que desencadeou o novo levante.

    Já Mustafa al-Khateeb "nunca postou nada que tivesse alguma coisa a ver com a Al Aqsa ou qualquer coisa política", falou sua tia Bakriya al-Khateeb Bakri, 41, que também era sua amiga no Facebook.

    Estudante do último ano na escola particular Ibrahimi, Al-Khateeb mudou recentemente sua foto de perfil para aparecer ao lado de uma Mercedes-Benz reluzente.

    Ele foi morto a tiros na segunda-feira (12) por policiais israelenses depois de tentar esfaquear um deles, segundo as autoridades israelenses, para as quais o policial não se feriu porque usava colete protetor. Mas Bakri insistiu que "mataram Mustafa sem razão nenhuma, como vêm fazendo recentemente com um palestino sim, outro não".

    Saeb Erekat, o negociador palestino chefe, disse em coletiva de imprensa na terça-feira (13) que Israel está fazendo "execuções extrajudiciais".

    Ele apresentou uma lista com os nomes e as idades de cada palestino morto. Um deles era Ishaq Badran, 16, abatido com sete disparos, disseram testemunhas, depois de esfaquear um homem no rosto no sábado em uma mesa de café numa calçada perto da Cidade Velha.

    Vários palestinos disseram que incentivaram Badran a fugir depois do incidente, mas que ele parecia ansioso por morrer de modo dramático.

    "Tentei segurá-lo para que ele não fizesse mais nada", disse um homem que trabalha numa barraca de sucos e pediu anonimato para falar, temendo represálias. "Falei a ele 'vá embora', mas ele não quis. Ficou ali, segurando a faca na mão, e disse 'quero virar mártir'."

    Na noite seguinte, dezenas de homens e meninos estavam na casa de Ishaq para chorar sua morte, usando pendentes e lenços que tinham acabado de ser feitos com a foto dele. O pai de Ishaq, Qasem Badran, disse que também seu filho ficou revoltado com o vídeo da esfaqueadora palestina abatida a tiros na Cidade Velha.

    "Ele procurou sua mãe chorando, abriu o celular e mostrou o vídeo", falou Badran, 40. "Falou 'veja, mãe, o que estão fazendo às moças muçulmanas, e ninguém as está defendendo'."

    A mulher no vídeo era Shorouq Dweiyat, 18, estudante de primeiro ano na Universidade de Belém, onde, segundo familiares, ela lançou uma campanha na terça-feira passada para incentivar estudantes a doar dez shekels (cerca de US$ 2,50) às famílias dos "mártires".

    Na quarta-feira, disseram, ela estava atrasada para a faculdade e decidiu, em vez de ir à escola, tomar café da manhã na Cidade Velha e orar na Al Aqsa.

    A polícia israelense disse que Dweiyat apunhalou um judeu nas costas, perto da cabeça, e que ele tirou seu revólver pessoal do cinto e atirou nela.

    "Ela tentou fugir e, em questão de segundos, policiais conseguiram agarrá-la", disse Avraham Peled, comandante militar presente no local.

    "Nós a detivemos, revistamos, identificamos que estava ferida e vimos que ela pôs uma faca no chão ao seu lado. Encontramos outra faca em sua bolsa."

    As facas não estão visíveis no vídeo que palestinos como Khalifa, o eletricista do campo de Shuafat, ficaram mostrando uns aos outros. Os vídeos já foram tirados das redes sociais, mas muitos palestinos disseram que israelenses foram vistos arrancando o véu de Dweiyat e seu casaco comprido antes do alegado ataque.

    Mohammed Abu Khalifa, 28, contou que, depois de assistir ao vídeo, seu irmão postou no Facebook uma mensagem sobre a Al Aqsa. "Mandando as pessoas despertarem, pois estão arrancando as roupas de nossas irmãs".

    Mohammed disse que na manhã seguinte, antes de afiar sua faca e sair à caça de um israelense, Subhe "postou no Facebook que planeja seguir os rastros de todos os mártires".

    Seu desejo não foi realizado –ele foi detido ileso. Subhe sorriu para as câmeras dos smartphones, uma imagem que também foi saudada nas redes sociais.

    Tradução de Clara Allain

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