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    Confronto de narrativas domina escala de violência no Oriente Médio

    DANIELA KRESCH
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE TEL AVIV

    19/10/2015 02h00

    No dia 9 de outubro, a cidadã árabe-israelense Asra'a Zidan Abed, 30, foi filmada com as mãos para o alto na rodoviária de Afula, no norte de Israel.

    O que se seguiu exemplifica a guerra de narrativas que caracteriza o conflito entre israelenses e palestinos e que chega ao auge na atual onda de violência.

    Para os israelenses, Asra'a estava com uma faca, ameaçando civis aos gritos de "sou terrorista". Apesar de ordens dos policiais, não largou a arma e foi alvejada nas pernas, sendo levada para o hospital.

    Para os palestinos, Asra'a, que teria distúrbios mentais, só tinha um par de óculos na mão. Apesar do mal-entendido, foi morta pelos policiais.

    As duas versões se alastraram assim que o vídeo amador do incidente se tornou viral. Cada lado viu as imagens sob o seu ponto de vista, sobretudo nas redes sociais.

    Asra'a Zidan Abed

    Asra'a está viva, mas isso não reduz a raiva de quem vê uma reação desproporcional.

    "O que está ocorrendo é uma intifada midiática. Cada lado usa o que pode para fortalecer sua narrativa", diz Khalil Rinawi, especialista em novas mídias.

    "Todo ser humano quer se conectar a uma narrativa. O lado judaico está certo de que viu uma faca na mão dela. O lado árabe vai procurar confirmação de que eram apenas óculos. E mesmo que a imagem mostre a faca, ela pode ter sido inserida, fabricada".

    A diferença de narrativas começa mesmo antes de 1948, ano de criação de Israel.

    Para os israelenses, tratou-se de um evento positivo, embora seguido de uma guerra. Para os palestinos, uma tragédia ("Nakba", em árabe).

    "Sempre que há um conflito existencial entre dois povos, cada um vê as coisas segundo seus interesses políticos e estigmas do outro lado. Cada campo culpa o outro e se vê como vítima, como em um filme de 'mocinho' e 'bandido'", diz o historiador árabe-israelense Adel Manna.

    Assim, tudo vira interpretação. Se Israel diz ter "liberado" Jerusalém Oriental na Guerra dos Seis Dias (1967), os palestinos choram a Naksa (revés), afirmando que parte da cidade foi "ocupada".

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    ESTOPIM

    O recente conflito é mais um caso de dupla narrativa. Pelo ponto de vista palestino, tudo começou depois que Israel violou o status quo na Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, aumentando a presença judaica no local e planejando destruir a mesquita de Al-Aqsa, terceiro local mais sagrado do islã.

    Israel nega e acusa a liderança palestina de incitar ódio para ter ganho político.

    A guerra de versões aparece em outro vídeo viral.

    Nele, dois meninos palestinos correm com facas nas mãos atrás de um homem. Um deles, Ahmed Manasra, 13, aparece ensanguentado, no chão.

    Para os palestinos, ele foi atropelado de propósito e morreu. Para os israelenses, o menino esfaqueara dois israelenses e foi atropelado para ser contido.

    O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, chegou a citar Manasra, acusando Israel de "exterminar crianças". O governo israelense divulgou um vídeo do menino no hospital e acusou Abbas de mentir.

    As narrativas incompatíveis extrapolam nas redes sociais. Antes de matar dois israelenses, em 3 de outubro, o palestino Muhannad Halabi, 19, escreveu no Facebook: "A terceira intifada chegou! Só há uma Jerusalém... E precisa ser protegida!".

    Em outra página, "Mártires de al-Aqsa", o moderador diz que a "Intifada das Facas" ocorre porque israelenses matam e humilham jovens e mulheres palestinas na Esplanada. "O plantar de sua faca com o propósito de acabar com nossos inimigos é como plantar rosas no jardim de sua casa", escreve.

    Do lado israelense, não faltam exemplos semelhantes. No site do "La Famiglia", a polêmica torcida organizada do time de futebol Beitar Jerusalém, um internauta escreveu: "Acordem! Todos os dias há chance de qualquer um de vocês, seus filhos e pais, serem assassinato por um árabe. Vamos atropelar todos em nosso caminho!".

    "Os fracassos no processo de paz são dos dois lados, mas nenhum admite e só culpa o outro", diz o pacifista israelense Gershon Baskin.

    Baskin conta que, em visita a Ramallah, assistiu a um vídeo que mostra o palestino Fadi Alloun, 18, ser perseguido por uma turba e morto pela polícia israelense em Jerusalém em 3 de outubro.

    Depois, em Israel, viu a entrevista de um judeu religioso que havia sido esfaqueado pelo rapaz antes.

    A perseguição a Fadi Alloun

    "Para os palestinos, parecia um assassinato sem motivo. Ainda assim, mesmo que ele tenha esfaqueado, não havia necessidade de matá-lo."

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