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    'Brasil deveria ajudar fundo climático', diz enviado dos EUA a cúpula do clima

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

    02/11/2015 02h00

    Países emergentes como China e Brasil deveriam contribuir para o fundo de US$ 100 bilhões anuais destinado a ajudar países em desenvolvimento a se adaptar ao aquecimento global e amenizarem seus efeitos.

    Esse é o recado de Todd Stern, enviado especial dos EUA para Mudanças Climáticas e o principal negociador americano na 21ª Conferência do Clima (COP- 21), em Paris, em dezembro.

    Stern disse à Folha estar "cautelosamente otimista" em relação à conferência, cujo objetivo é fechar um novo acordo entre os países para reduzir a emissão de gases do efeito estufa, diminuindo o aquecimento global.

    Para Stern, o chamado "financiamento climático" e a diferenciação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento são os grandes desafios para um acordo.

    O negociador esteve no Brasil e se reuniu com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.

    Alan Marques/Folhapress
    Todd Stern, enviado dos EUA para Mudanças Climáticas, durante entrevista a Folha em Brasília
    Todd Stern, enviado dos EUA para Mudanças Climáticas, durante entrevista a Folha em Brasília

    Leia abaixo a entrevista.

    *

    Folha - Quais são suas expectativas para a COP-21?
    Todd Stern - Estou cautelosamente otimista. Os planetas nunca estiveram tão alinhados para chegarmos a um acordo, mas isso não significa que não haja questões difíceis. Mas há muita vontade política para fechar o acordo. Basta olhar tudo o que conquistamos nos últimos 12 meses: fechamos (os EUA) um importante acordo com a China em novembro de 2014, e foram 152 países propondo seus INDCs ["contribuição pretendida nacionalmente determinada", nome técnico para as metas de redução de emissões].

    *Em que aspectos Paris é diferente de Copenhague [a conferência de 2009]? Por que desta vez pode dar certo? *
    A diferença é o entendimento dos países sobre o tipo de sistema que estamos discutindo. Não havia nada próximo disso em Copenhague: as pessoas divergiam completamente sobre o que poderia acontecer. Agora temos a estrutura básica das INDCs –152 países já anunciaram as suas, cobrindo cerca de 86% das emissões de gases do efeito estufa. É muito diferente.

    O financiamento para adaptação e mitigação de efeitos das mudanças climáticas em países emergentes é o maior obstáculo para um acordo?
    Financiamento certamente é um dos obstáculos. Mas o tema da diferenciação entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento é outra questão muito controversa.
    As INDCs e toda a seção sobre mitigação no acordo são baseadas em contribuições determinadas nacionalmente –ou seja, nada vai ser imposto aos países.
    O Brasil vai decidir, a China vai decidir, a África do Sul vai decidir. É uma forma de diferenciação que consideramos inteiramente apropriada. Não achamos que seja justa a forma de diferenciação de 1992, que só prevê duas categorias originais e nunca avança, nunca muda, apesar de todas as enormes mudanças no mundo [pelo Protocolo de Kyoto, é obrigação dos países desenvolvidos reduzir as emissões por causa de sua responsabilidade histórica pelo atual nível, e estão isentas nações em desenvolvimento, inclusive grandes poluidoras hoje, como a China.]

    Em Copenhague, ficou determinado que, até 2020, os países ricos contribuiriam com US$ 100 bilhões por ano para ajudar países pobres a se adaptarem à mudança climática. Os países pobres querem acordo semelhante para depois de 2020, e alguns ricos argumentam que certos emergentes deveriam virar doadores. Acha que países como a China e o Brasil deveriam entrar nesse grupo?
    Nós [países ricos] nos comprometemos a levantar US$ 100 bilhões por ano até 2020. Portanto, os países em desenvolvimento também têm de fazer algo [como contrapartida a esse dinheiro]. Até 2020 é, sim, compromisso dos países desenvolvidos. Depois, acho que deveria continuar a ser um compromisso nosso, mas estamos encorajando, não forçando, países em desenvolvimento a também contribuir, como a China.

    Os EUA gostariam de que o Brasil contribuísse?
    Eu encorajaria o Brasil [a contribuir] quando o país sentir que está pronto. Não estou tentando pressionar o Brasil, mas sim, seria muito bom se o país fizesse isso.

    Mas isso não vai contra a ideia de que os países ricos, que se industrializaram antes e contribuíram para o aquecimento global por todos esses anos, deveriam de alguma maneira fazer mais do que os países em desenvolvimento?
    Não acredito que o financiamento seja relacionado a compensação ou reparações. Até os anos 80, ninguém nem sabia que havia a ameaça de mudança climática. Países muito pobres serão duramente afetados, ainda que historicamente não tenham contribuído muito para agravar o problema. Então, sim, achamos que precisamos dar assistência a eles. Mas não acho que seja compensação.

    Um relatório da OCDE afirma que, em 2014, foram mobilizados US$ 62 bilhões em financiamento climático (dos US$ 100 bilhões propostos). O sr. estimou que teria chegado a US$ 80 bilhões, incluindo promessas que não haviam sido contabilizadas.
    Países em desenvolvimento criticaram essas estimativas, dizendo que são contabilidade criativa, que muitos recursos anunciados eram programas que já existiam. Não acho que seja verdade. Trata-se de uma contabilidade bastante conservadora.
    Ora, foi usando esses critérios da OCDE que fizemos nossa proposta lá em 2009. Se agora eles dizem "não, vocês não podem incluir isso e aquilo na conta", então simplesmente não teremos os US$ 100 bilhões. Eles estão tentando mudar as regras no meio do jogo.

    Quando o sr. acha que deveria haver uma revisão do acordo de Paris?
    Se Deus quiser, vamos assinar o acordo em Paris e começará a vigorar em 2020. Acho que precisaríamos ter uma revisão para determinar como os países estão indo. Será que isso deveria ocorrer só em 2025? Acho que não podemos esperar todo esse tempo. Nós acreditamos que essa revisão teria de ocorrer em 2019 ou 2020 e daí prosseguir de cinco em cinco anos.

    *Se forem contabilizadas todas as promessas de redução de emissões dos países até agora, nem assim será possível evitar que a temperatura global aumente mais de 2ºC. Então, qual é o plano? *
    Você está certa, as promessas não são suficientes. Por isso temos de encarar Paris como um passo importantíssimo, mas um primeiro passo. Mesmo depois, haverá muito trabalho a ser feito.
    Acho que é um pacote de várias partes. Primeiro, precisamos das INDCs [metas] mais fortes possíveis. Depois, precisamos ter rodadas sucessivas de contribuições, para que aumentemos a ambição de nossas INDCs. Temos de traçar planos com objetivos de longo prazo para a metade do século. Por fim, precisamos de comprometimento de cidades e Estados.

    O que o senhor achou das INDCs propostas pelo Brasil?
    São boas. O Brasil propôs metas absolutas, ao contrário de outros países emergentes, que tradicionalmente propõem apenas metas relativas. Isso foi um grande avanço.

    *O Brasil depende de hidrelétricas para energia e se apoia pouco em outras fontes renováveis. Isso é um problema? *
    Energia hidrelétrica é perfeitamente legítima. Mas obviamente os custos de energia eólica e solar vêm caindo muito nos últimos cinco a oito anos, e isso vai continuar. Ter múltiplas fontes de energia sempre é bom.

    Legisladores republicanos nos EUA têm afirmado que bloquearão no Congresso qualquer acordo de Paris e reverterão medidas do presidente Barack Obama para reduzir emissões...
    Sei que republicanos estão dizendo isso, mas não acho que vão conseguir. Começando pelas medidas domésticas, a mais importante é o plano de energia limpa, que reduz as emissões do setor energético em 32% até 2030. Está baseado em legislação muito sólida, inclusive decisões do Supremo. Já está sendo contestado nos tribunais, mas foi assim com todas as leis ambientais. Há apoio maciço do público às medidas.
    Em relação ao acordo que esperamos assinar em Paris, há várias maneiras de os EUA se integrarem a tratados internacionais, e obter aprovação do Senado é só uma delas. A estratégia que teremos depende totalmente do conteúdo do acordo. Pode ser que não necessitemos de ratificação do Congresso.

    Os EUA assinaram o acordo para a reforma do FMI em 2010, mas até agora o Congresso não o ratificou, e a reforma está emperrada...
    Teremos que ver. Dependendo do acordo, não precisará de apoio do Congresso.

    Mas e se precisar?
    Vamos tratar disso quando chegar a hora.

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