• Mundo

    Sunday, 28-Apr-2024 18:21:05 -03

    Campanhas recorrem à 'neuropolítica' para tentar ler mentes dos eleitores

    KEVIN RANDALL
    DO "NEW YORK TIMES"

    04/11/2015 11h00

    No saguão de um edifício de escritórios na Cidade do México, as pessoas que corriam de um lado para outro paravam brevemente para contemplar o painel digital que mostrava propaganda de campanha para um candidato ao Congresso, em junho.

    Provavelmente não sabiam que o painel também as estava lendo.

    Dentro do painel, uma câmera capturava suas expressões faciais e as analisava por meio de um algoritmo que permite distinguir entre reações emocionais como felicidade, surpresa, raiva, repulsa e tristeza.

    Com todo esse feedback fornecido de maneira involuntária, os dirigentes de campanhas políticas estão buscando dados sobre os eleitores e percepções que os ajudem a conquistar vitórias. Agora, em cada vez mais lugares, essas técnicas incluem o contencioso campo do neuromarketing —ou, no caso, neuropolítica.

    Tecnologias como decodificação facial, feedback biológico e captura de imagens cerebrais há muito são usadas por empresas na esperança de conquistar avanços no marketing e no desenvolvimento de produtos.

    Mas seu uso por partidos políticos e governos é um fenômeno em ascensão, e evoca cenários futuristas como os do filme "Minority Report - A Nova Lei", no qual painéis eletrônicos fantasmagoricamente bem informados leem os olhares dos transeuntes e os chamam pelo nome.

    Dmitry Kostyukov/The New York Times
    Michal Matukin, da companhia de neuromarketing Neurohm, prepara equipamento para testes na Polônia
    Michal Matukin, da companhia de neuromarketing Neurohm, prepara equipamento para testes na Polônia

    A prática está sob ataque, especialmente por parte de estudiosos que acusam os profissionais do neuromarketing de promover uma pseudociência.

    Mas o ceticismo não dissuadiu muitos partidos políticos, em diferentes áreas do planeta, de empregar a técnica. As campanhas eleitorais de candidatos a presidente e primeiro-ministro em pelo menos três continentes recorreram a consultores científicos para ler os cérebros, rostos e corpos dos eleitores, com o objetivo de desenvolver maior ressonância eleitoral junto ao eleitorado.

    No México, a campanha do presidente Enrique Peña Nieto e de seu Partido Revolucionário Institucional (PRI) empregou ferramentas para medir as ondas cerebrais dos eleitores, suas reações cutâneas, batimento cardíaco e expressões faciais na corrida presidencial de 2012.

    Mais recentemente, o partido vem usando decodificação facial para ajudar a selecionar os melhores candidatos, diz um consultor. Alguns dirigentes da instituição chegam a falar abertamente do uso de técnicas neuropolíticas, e não só para campanhas eleitorais, mas também ao governar.

    "No meu governo, utilizamos diversas ferramentas de pesquisa e estudos de opinião a fim de avaliar a eficácia de nossos programas governamentais, comunicação e mensagens", diz Francisco Olvera Ruiz, governador do Estado de Hidalgo, no México, e membro do PRI. "A pesquisa neurocientífica", acrescentou, "é especialmente valiosa porque nos permitiu descobrir com mais precisão e objetividade o que as pessoas pensam, percebem e sentem".

    Na Polônia, a primeira-ministra Ewa Kopacz e seu partido, o Plataforma Cívica, trabalharam com apoio estreito de uma companhia de neuromarketing para as eleições legislativas do mês passado (e perderam ), e na Colômbia a equipe que dirigiu a campanha de reeleição do presidente Juan Manuel Santos em 2014 usou a mesma consultoria de neuropolítica que assessorou o partido situacionista mexicano (ele venceu ).

    Na Turquia, o premiê Ahmed Davutoglu e seu partido Justiça e Desenvolvimento (AK) contrataram uma empresa de neuromarketing turca para a eleição de junho de 2015, de acordo com o fundador e presidente-executivo da empresa.

    Usando uma combinação de técnicas —como rastreamento de ondas cerebrais, leitura de olhos e faces, registro de reações cutâneas e batimentos cardíacos, em voluntários nos seus laboratórios de Istambul—, a empresa disse ter alertado Davutoglu de que ele não estava conquistando o envolvimento emocional dos eleitores com seus discursos. O partido sofreu um sério revés na eleição de junho, mas venceu as eleições deste mês.

    Consultores de neuromarketing dizem estar conduzindo pesquisas como estas em mais de uma dúzia de países, entre os quais Argentina, Brasil, Costa Rica, El Salvador, Espanha, Rússia e, em muito menor extensão, os EUA.

    Uma empresa de neuromarketing diz ter trabalhado para um comitê de campanha presidencial de Hillary Clinton para ajudá-la a melhorar seu direcionamento e suas mensagens. Questionado a respeito, Joel Benenson, o estrategista-chefe da campanha de Hillary, recusou-se a discutir o assunto, dizendo que não falaria sobre "que metodologias usamos ou não usamos".

    John Weaver, que já trabalhou em diversas campanhas presidenciais republicanas, entre as quais a de John McCain (2008), e hoje é estrategista chefe na pré-campanha de John Kasich pela indicação presidencial do Partido Republicano, disse que usou ferramentas neurocientíficas no passado, mas que a adoção dessas técnicas nos EUA era "muito limitada".

    BENEFÍCIOS E PROBLEMAS

    Os neuroconsultores e alguns de seus clientes na política argumentam que os benefícios são evidentes: grupos de foco e pesquisas podem ter baixa confiabilidade porque os eleitores muitas vezes não sabem, não são capazes de articular ou relutam em dizer como realmente se sentem sobre um candidato.

    Ondas cerebrais, expressões faciais e neurobiologia, em contraste, traem os sentimentos e opiniões de um eleitor, e isso as torna melhores como ferramentas para a previsão do comportamento nas urnas, argumentam os proponentes.

    Mas alguns neurocientistas criticam severamente as empresas do ramo por prometerem resultados excessivos. Argumentam que, só porque um candidato ou discurso causa atividade em determinada região cerebral, isso não significa que os pesquisadores possam estar certos do que os eleitores estão pensando.

    "Em geral, creio que as companhias que vendem ferramentas de pesquisa baseadas na neurociência estão tirando vantagem da tendência natural das pessoas a acreditar que mensurações de atividade cerebral são de alguma maneira mais 'reais' que mensurações de comportamento", disse Russell Poldrack, professor de psicologia na Universidade Stanford.

    Diversos consultores políticos norte-americanos disseram que a neuropolítica pode ganhar espaço na eleição presidencial de 2016.

    David Plouffe, que dirigiu campanhas eleitorais do presidente Barack Obama, disse que as ferramentas "seriam terreno novo para as campanhas políticas".

    Ele acrescentou que "a riqueza desses dados, comparados aos hoje recolhidos para teste de anúncios e avaliação de discursos e debates —por meio dos bons e velhos 'dial tests' [os tradicionais testes em que os espectadores registram sua reação movendo um botão circular], acompanhados por métodos qualitativos primitivos— é difícil de compreender. Eles abordam mais a questão da emoção, intensidade, e oferecem compreensão mais complexa de como as pessoas reagem".

    Mas "os horrendos placares de 'dial tests' que são exibidos no pé da tela durante debates presidenciais", ele disse, em referência a testes nos quais as reações de eleitores são mostradas em tempo real nas telas de TV, "agora talvez sejam substituídos pela única coisa pior: medições de suor, movimentos oculares e batimentos cardíacos em segmentos-chave do eleitorado".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024