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    ANÁLISE

    Negociações em Viena devem redefinir poder no Oriente Médio

    HUSSEIN KALOUT
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    05/11/2015 07h00

    Moscou exercitou seus músculos no Oriente Médio, e Washington, convenientemente, escorou-se em sua elasticidade pragmática para amortizar a dimensão do envolvimento da Rússia na guerra síria.

    Sob qualquer ângulo analítico, a entrada militar da Rússia alterou a validade e o poder das cartas dos atores regionais e internacionais envolvidos no xadrez sírio.

    Da perspectiva de Moscou, a ação armada na Síria tinha por finalidade: 1) impor-se no tabuleiro regional vis-à-vis o vácuo de poder deixado pelos EUA; 2) expor a falta de seriedade das potências ocidentais e de seus aliados regionais no combate ao grupo terrorista Estado Islâmico.

    Ministério da Defesa da Rússia - 11.out.2015/Efe
    Imagem de vídeo mostra ataque russo a depósito de armas do Estado Islâmico
    Imagem de vídeo mostra ataque russo a depósito de armas do Estado Islâmico

    A estratégia costurada por Arábia Saudita, Turquia e Qatar, com o beneplácito de Washington, consistia em distender o conflito ao seu limite para consolidar as posições conquistadas pelas facções rebeldes em partes vitais do território e facilitar o avanço do EI a Damasco –o que implicaria a erosão da unidade territorial e, subsequentemente, em sacramentar a fragmentação da Síria.

    O encontro de Viena, formado por 17 países, entre os quais as principais potências mundiais, europeias e do Oriente Médio, decorre, sobretudo, da nova ordem política que Moscou estabeleceu ao implodir a estratégia do alinhamento anti-Assad, a partir de sua intervenção militar na Síria.

    Riad e Ancara, em especial, foram compelidos a se engajar no diálogo e inclusive a aceitar, ainda que a contragosto, a participação do Irã no processo de negociação.

    Face ao puído lastro de suas cartas, sauditas e turcos apressaram-se na recalibragem de suas posições antes que a validade de suas demandas expirasse e que sua participação nas negociações se tornasse descartável.

    Contudo, é importante realçar que o envolvimento da Rússia no conflito não significa, necessariamente, a decomposição da influência americana no leste do Mediterrâneo.

    Sem o ônus de ter de intervir incisivamente no cenário sírio, Washington evitou o entrechoque com Moscou e tenta reassumir o protagonismo diplomático para capitalizar politicamente sobre a sua própria inércia.

    A pressa dos EUA na convocatória do encontro de Viena está consubstanciada, a priori, na premissa de impedir que a reconfiguração da balança de poder no tabuleiro sírio, e talvez regional, esteja vinculada, intrinsicamente, aos resultados mensuráveis no campo de batalha.

    Por isso, a flexibilidade tática vista no discurso do secretário de Estado, John Kerry, não mais exclui a permanência do presidente sírio do processo de transição.

    Nesse espectro, o eixo Rússia-Irã-Síria largou com mais tração na configuração do curso dos resultados da primeira rodada da reunião de alto nível, em Viena.

    A tese de que apenas o povo sírio decidirá o formato do processo político e os passos subsequentes ao processo de transição é a predominante. Regime e oposição irão se encontrar, em breve, em Viena, para negociar os parâmetros iniciais de um futuro acordo.

    A única cartada que a Arábia Saudita poderia jogar é de exigir garantias de que Assad não irá se lançar candidato no período pós-transição.

    Por outro lado, a pressão europeia para que Riad arrefeça a sua intransigência é intensa, tendo em vista que franceses e alemães querem urgentemente solução para a crise dos refugiados sírios em suas fronteiras.

    Xinhua - 3.nov.2015/Ammar
    Estudantes a caminho da escola no bairro de Barzeh, em Damasco, capital da Síria
    Estudantes a caminho da escola no bairro de Barzeh, em Damasco, capital da Síria

    Ademais, Riad e Ancara perderam parte de sua legitimidade nas negociações ao ficar evidenciado que estão interessadas na desestabilização da Síria ao terem facilitado o deslocamento de combatentes do EI, via Turquia, para lutarem no fronte iemenita.

    Já o teto de exigências da Turquia é baixo. O arrefecimento do separatismo curdo é a principal preocupação turca na atual conjuntura, e isso somente poderia se viabilizar a partir da permanência do regime de Assad no poder.

    Tudo indica, por fim, que o traçado de um novo mapa de poder no Oriente Médio poderá ser definido a partir dos resultados das negociações de Viena.

    HUSSEIN KALOUT é cientista político e pesquisador da Universidade Harvard

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