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    Papa Francisco segue firme, apesar de mês infernal de escândalos

    NICOLE WINFIELD
    DA ASSOCIATED PRESS, NA CIDADE DO VATICANO

    13/11/2015 07h00

    Dramas, intrigas ou escândalos são comuns no Vaticano. Mas mesmo pelos padrões do Vaticano, este mês vem sendo infernal.

    Desde que o papa Francisco retornou de sua visita triunfal aos Estados Unidos, quase todos os dias trouxeram revelações surreais sobre mau comportamento de bispos, cardeais que resistem a reformas e batalhas ideológicas sobre tudo, da teologia do casamento às vendas de cigarros no Vaticano.

    Na quarta-feira (11), o Vaticano disse "basta!", divulgando uma série de comunicados que contestam diversas reportagens, apenas para terminar o dia com a confirmação de que dois jornalistas italianos estão agora sob investigação pelos magistrados do Vaticano por seu envolvimento no mais recente escândalo de vazamento de documentos.

    Como as coisas chegaram a esse ponto?

    Max Rossi/Reuters
    Papa Francisco passa por pintura que o descreve como Superhomem na praça São Pedro
    Papa Francisco passa por pintura que o descreve como Superhomem na praça São Pedro

    O mês louco de Francisco começou com um monsenhor do gabinete de doutrina do Vaticano saindo do armário (com o namorado em sua companhia) e denunciando a "hipocrisia" da doutrina da igreja quanto à homossexualidade.

    Isso um dia antes de Francisco abrir um grande sínodo sobre a vida da família.

    Depois, 13 proeminentes cardeais enviaram uma carta a Francisco alertando que a Igreja Católica corria o risco de colapso se ele levasse adiante sua agenda reformista no sínodo. (O conteúdo da carta vazou.)

    A novela continuou com uma reportagem (negada), ainda durante o sínodo, de que o papa tinha um tumor no cérebro.

    E, para coroar tudo isso, um monsenhor de alta patente no Vaticano (e além disso membro do movimento conservador católico Opus Dei) agora está aprisionado no Vaticano, acusado de vazar informações confidenciais para o mesmo jornalista que, em 2012, expôs o desperdício e a inépcia administrativa do Vaticano, o que influenciou a saída do papa Bento 16.

    Umberto Pizzi/AFP
    Francesca Chaouqui e o monsenhor Lucio Angel Vallejo Balda, que está preso
    Francesca Chaouqui e o monsenhor Lucio Angel Vallejo Balda, que está preso

    Nem Hollywood conseguiria imaginar uma trama como essa –mas Francisco parece estar aceitando a situação sem abalo.

    Na terça-feira, o papa comeu com algumas dezenas de pessoas em uma cantina que serve alimentos aos necessitados em Florença e desfrutou de uma sopa toscana de feijões ribollita como se não houvesse lugar em que ele preferisse estar.

    Esse bem pode ter sido o caso, dadas as intrigas que não param de fervilhar em sua casa e a viagem que ele tem planejada dentro de duas semanas para o Quênia, Uganda e República Centro-Africana, um país devastado por conflitos.

    Se os dramas do Vaticano não bastassem, até mesmo a viagem parece em dúvida agora.

    Reportagens na mídia francesa informam que os soldados franceses que operam para manter a paz na República Centro-Africana não oferecerão proteção adicional ao papa, e a ONU informou nesta semana que estava discutindo com o Vaticano a segurança do papa em meio a uma disparada na violência que forçou um adiamento das eleições e levou o próprio Francisco a declarar recentemente que ele ainda tem esperança de ir.

    A despeito do tumulto, Francisco se manteve notavelmente firme e determinado, e nesta semana divulgou um comunicado no qual define sua missão e delineia sua visão de uma igreja que rejeita poder, prestígio e dinheiro em favor da solidariedade para com os pobres e oprimidos.

    "Ele não tem medo nenhum, porque sabe o que está fazendo", disse o cardeal Oscar Rodríguez Maradiaga, de Honduras, colaborador bem próximo do pontífice, em entrevista em Nova York.

    "Ele é um homem de oração, um homem de Deus, e por isso nunca se decepciona com esse tipo de coisa".

    Massimo Faggioli, historiador italiano que pesquisa sobre a igreja e será parte do corpo docente da Universidade Villanova no ano que vem, disse que boa parte das notícias que conquistaram manchete no último mês podem ser atribuídas à agenda radical de Francisco, à oposição que ela desperta em certos círculos conservadores da igreja e à natureza politizada da imprensa italiana.

    "A mídia italiana, especialmente a televisão e os jornais, é parte integral do sistema político", disse Faggioli em entrevista por telefone.

    "Sabemos que existe forte oposição ao papa Francisco, em certos quadrantes, e assim o que vem acontecendo, o que vem sendo divulgado, é parte dessa resistência".

    Um exemplo é a reportagem de 21 de outubro segundo a qual Francisco, 78, estaria sofrendo de um pequeno tumor benigno no cérebro.

    Um pequeno veículo noticioso há muito associado aos conservadores italianos reportou que o pontífice, conhecido por suas inclinações sociais progressistas, havia sido examinado por um especialista japonês em câncer do cérebro, que teria determinado que um pequeno ponto escuro no cérebro de Francisco era um tumor passível de tratamento sem cirurgia.

    A história absurda, que afirmava que o médico havia sido levado de helicóptero a Roma para um exame altamente confidencial, foi negada não só pelo Vaticano como pelo médico, que disse jamais ter examinado o papa e que a reportagem era "completamente falsa".

    Faggioli recordou que durante o Concílio Vaticano Segundo, quando conservadores do Vaticano buscaram moderar as agendas radicais dos papas João 23 e Paulo 6°, houve reportagens na imprensa italiana lançando dúvidas sobre a ortodoxia do papa, em uma clara tentativa dos conservadores de solapar os reformistas.

    Os boatos sobre a saúde do papa foram vistos sob a mesma luz.

    A reportagem sobre o tumor cerebral, disse Faggioli, "é um sintoma de que eles desejam que pensemos que este papa está tomando as decisões que toma porque está ficando louco, que não lhe resta muito tempo", disse ele. "Não funcionou, mas revela alguma coisa sobre o ambiente".

    Os vazamentos de documentos, em contraste, parecem ter só reforçado a posição de Francisco ao expor a podridão que ele está tentando extirpar do Vaticano e a resistência que enfrenta ao fazê-lo.

    Também expõem as disputas internas pelo poder que persistem entre os cardeais, que lutam para preservar seu poder e influência.

    Os jornalistas Gianluig Nuzzi e Emiliano Fittipaldi, ambos sob investigação pela Santa Sé, obtiveram documentos internos do Vaticano que revelam milhões de euros em receita de locação potencial perdida dos vastos ativos imobiliários do Vaticano, milhões em estoques desaparecidos das lojas do Vaticano –que não pagam impostos–, cobrança de valores exorbitantes pela canonização de santos e a cobiça dos monsenhores e cardeais por apartamentos enormes.

    O Vaticano, que anteriormente se havia recusado a comentar o teor dos documentos vazados, desta vez procurou usar as revelações em benefício de Francisco, ao enfatizar que ele mesmo havia solicitado essas informações como parte de seus esforços de reforma.

    "Mudar as coisas é sempre difícil, porque nos sentimos tentados a manter o mesmo jeito batido e cotidiano de fazê-las", disse o principal colaborador de Francisco, o cardeal Francisco Parolin, à rádio do Vaticano nesta semana.

    Mas ele disse que a chave era "transformar uma resistência que pode ser considerada normal, diante da mudança, em ferramenta para a reforma".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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