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    paris sob ataque

    DEPOIMENTO

    Região visada em ataques é Paris multicultural de Amélie Poulain

    MATHIAS ALENCASTRO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    14/11/2015 19h18

    Dentro dos muros de Paris, os ataques se sucederam entre as ruas adjacentes ao canal Saint-Martin, imortalizado pelo filme Amélie Poulain, e as praças da República, a poucas quadras da antiga sede do "Charlie Hebdo", e da Bastilha.

    Nesta, se cruzam a rua de Charonne e o bulevar Beaumarchais. Ali fica a casa de shows Bataclan. No mapa, o leste da cidade aparece quase perfeitamente delimitado.

    É uma região propícia a um atentado visando o máximo de fatalidades. Suas ruas sombrias e íngremes levam a esquinas onde se agregam jovens nas portas de bares e galerias. Na frente do restaurante Le Petit Cambodge, alvo de um dos ataques, fica o Le Carillon, um boteco que ainda distribui copos de plástico. Os seus clientes ébrios cantarolam quando os carros atravessam o cruzamento.

    Semanas atrás, houve um atropelamento. Sexta-feira, quando tudo começou, um grupo de amigos pensou que algo semelhante estava acontecendo. Momentos depois, desceram a rua em direção ao canal onde Amélie passeava, chorando de medo. Fala-se em 14 mortos.

    Onde foram os ataques

    Ao atacarem o leste de Paris, os terroristas pretendiam manchar a cidade pintada no filme. O Paris bourgeois-bohème (bobô) onde a integração cultural funciona bon gré mal gré.

    Os chineses se aliam aos africanos quando a polícia faz uma batida nos imigrantes ilegais. Restaurantes judeus kosher dividem muros com açougues muçulmanos halal.

    Os prédios, alguns deles decrépitos, estão sendo ocupados por jovens fugindo da alta de preços do centro. No meu andar residia uma família tradicional tunisiana e um casal hipster franco-francês. Todos estão são e salvos.

    Aos analistas que usarem os ataques de sexta-feira para proclamar o fracasso do modelo de integração francesa, valerá a pena recordar o lugar desse trecho de Paris na história republicana.

    No Père Lachaise estão enterrados Benjamin Constant e Auguste Comte. Nas artérias da Bastilha, palco da Revolução Francesa, foram erguidas barricadas durante a Comuna e deflagrados atos de sabotagem contra a ocupação nazista.

    Antes de se tornar o oásis multicultural de um país em crise de identidade, o leste de Paris foi bastião de resistência das forças progressistas. Voltará a sê-lo agora, talvez mais do que nunca.


    MATHIAS ALENCASTRO, 31, doutor em Ciência Política na Universidade de Oxford e mestre em Historia na Universidade Sorbonne Paris-IV. Fez das suas em Belleville, leste de Paris, entre 2006 e 2009.
    @Mat_Alencastro

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