O pai do Estado Islâmico foi o jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, um radical como diversos em sua geração, cuja formação se deu no Afeganistão durante o conflito com a antiga União Soviética.
Em 1999, Zarqawi fundou o Al-Tawhid wa al-Jihad (Monoteísmo e Jihad, em árabe).
Em menos de duas décadas, a organização iria se tornar globalmente conhecida como Estado Islâmico, com um histórico de crucificar crianças, escravizar mulheres e decapitar inocentes.
No período, estendeu seu território no oeste da Síria e no norte do Iraque para algo entre 90 mil km² (uma Jordânia) e 250 mil km² (Reino Unido), conforme a estimativa.
As ações terroristas de Zarqawi foram marcadas pela sua interpretação restrita do que é o islã. Ao contrário de outros líderes fundamentalistas, ele levou ao extremo a ideia de "takfir" –declarar um muçulmano apóstata e, assim, justificar sua morte.
O Iraque, após a invasão americana de 2003, era terreno fértil para a ideologia do Al-Tawhid wa al-Jihad. Ali, a organização passou a se chamar Al Qaeda no Iraque.
Zarqawi aproveitou-se das rivalidades locais para estimular a violência sectária entre sunitas e xiitas. No caos, pensava, triunfaria.
Organizações como a Al Qaeda insistiam em que a criação de um Estado islâmico era um objetivo futuro, quase idealizado. Zarqawi, por outro lado, acreditava que poderia estabelecê-lo a partir da desordem política.
Não à toa a revista oficial do Estado Islâmico hoje cita Zarqawi em todas as suas edições, nas primeiras páginas: "A fagulha foi acendida aqui no Iraque e seu calor vai continuar a intensificar-se, se Deus assim permitir".
Zarqawi foi morto em 2006 por duas bombas lançadas por um avião americano, cada uma pesando 230 quilos. Sua liderança foi herdada por Abu Ayyub al-Masri e Abu Omar al-Baghdadi, por sua vez mortos em 2010.
A organização terrorista passou a ser controlada por Abu Bakr al-Baghdadi, uma misteriosa figura com uma biografia ainda carcomida por lacunas. De formação religiosa e passagem pela prisão durante a presença americana, Baghdadi espalhou sua sombra pela região.
Mais uma vez, o caos. A guerra civil na Síria, respingada no vizinho Iraque, lançou a região em novos conflitos sectários a partir de 2011.
Dois anos depois, a organização terrorista trocaria seu nome para Estado Islâmico no Iraque e no Levante.
SADDAM
Uma das figuras centrais nesse processo foi Haji Bakr. Antes membro da Inteligência de Saddam Hussein, Bakr estruturou as forças do Estado Islâmico, incluindo ex-militares iraquianos entre os líderes. Ele morreu em janeiro de 2014, no norte da Síria.
Fortalecidos, militantes infiltraram-se em cidades sírias e iraquianas, aproveitaram-se das vistas grossas dos governos regionais e, em junho de 2014, moveram as peças no tabuleiro: conquistaram a cidade de Mossul, no Iraque.
Ali, em 29 de junho, Baghdadi declarou seu califado.
A organização passou a ser chamada Estado Islâmico, agora com pretensão global. Em vestes negras, Baghdadi discursou na Grande Mesquita de al-Nuri. Declarou-se califa de todos os muçulmanos.
Ao dizer-se representante do islã e definir todos os outros governos regionais como apóstatas, o Estado Islâmico tornou-se inimigo de potências como a Arábia Saudita.
Apesar dos bombardeios constantes de forças ocidentais, a organização terrorista mantém o controle territorial.
Financiada por meios que incluem o tráfico de petróleo e a venda de reféns, o Estado Islâmico reúne uma multidão de militantes –cuja estimativa ainda varia enormemente.
Um relatório recente afirma que 30 mil milicianos estrangeiros viajaram à Síria e ao Iraque desde 2011. Alguns deles, descontentes com a exclusão social. Outros, seduzidos pela aventura. Muitos, como o belga Brian de Mulder, filho de uma brasileira, foram convencidos pelo projeto de califado baseado na religião.
Em cidades como Raqqa e Mossul, esses guerreiros vivem a partir de regras restritas que proíbem fumo, mistura entre os sexos e música.
Mas, apesar da ideia corrente de que o Estado Islâmico tenha devolvido a região à Idade Média, seu território é governado por um emaranhado de instituições públicas apropriadas por terroristas a partir das estruturas modernas que existiam ali.
Assim, numa imitação perversa, moedas foram cunhadas, passaportes foram impressos, multas de trânsito foram emitidas e currículos escolares foram modificados.
UTOPIA
O califado islâmico que esses militantes querem estabelecer no Oriente Médio é uma construção idealizada do modelo político surgido no século 7 no que é hoje a Arábia Saudita. O "califa", como explica o próprio termo em árabe, era o "sucessor" do profeta Maomé, que havia unificado a região em torno da religião islâmica.
Invasões e crises dinásticas levaram à constante reformulação de como se poderia administrar uma comunidade de muçulmanos. O califado do século 7 transformou-se, progressivamente, em uma utopia, o espelho de dias de esplendor e justiça.
Diversos pensadores voltaram a essa ideia durante a história. Mas, com o esfarelamento do Império Otomano, no início do século 20, o califado foi oficialmente abolido. E, apesar de Baghdadi, segue extinto para as principais lideranças islâmicas e quase totalidade dos muçulmanos.
Não, porém, para o Estado Islâmico –organização terrorista cujo obituário, diante dos fatos recentes, ainda não pode ser escrito.
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