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    paris sob ataque

    Análise

    Moscou aproveita a inapetência ocidental em sujar as mãos

    IGOR GIELOW
    DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

    17/11/2015 02h00

    Os consensos em formação após os ataques em Paris deixam o presidente russo, Vladimir Putin, em posição favorecida na esgrima geopolítica que trava com o Ocidente.

    Há duas ideias centrais na praça de negociações, que por praticidade retórica do momento desconsideram o fato de que o terror jihadista não começou nem acabará com o Estado Islâmico.

    Kayhan Ozer/Reuters
    Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e dos EUA, Barack Obama, conversam na cúpula do G20
    Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e dos EUA, Barack Obama, conversam na cúpula do G20

    De toda forma, está estabelecido que é preciso uma ação mais incisiva, por terra e que vise também o financiamento da facção, para deter o EI. E que apenas a pacificação da Síria poderá sustentar alguma segurança posterior à sua eventual neutralização.

    A Rússia, que iniciou sua intervenção direta na guerra da Síria há apenas um mês e meio, é hoje a potência estrangeira mais capacitada a influir nos dois quesitos.

    Um fator é a inapetência ocidental para sujar as mãos. Prova disso é o discurso de François Hollande falando em "guerra", enquanto quem manda, Barack Obama, dizia não fazer sentido comprometer muitas tropas contra o EI.

    A França tem capacidade limitada de ação unilateral, ainda que acima da média europeia. Interveio com o aval do governo local a partir de 2013 no Mali, contra um misto de revolta nacionalista tuaregue e insurreição jihadista.

    Deu certo e, em 2014, a ação foi ampliada pela região do Sahel com forças africanas. Hoje, há cerca de 3.000 soldados franceses em ex-colônias de Paris.

    Mas a Síria não é o Sahel, e o que a França pode fazer sozinha é aumentar a intensidade do bombardeio.

    No país árabe, o quadro é complexo. Há uma ditadura acuada, extremistas do EI, gente da Al Qaeda, rebeldes que só não são chamados de terroristas porque têm o apoio do Ocidente e das monarquias do golfo que querem barrar a influência do Irã.

    E a Rússia. Instalado com forças aeronavais na região de Latakia, berço do aliado Bashar al-Assad, Putin ataca rebeldes de todas as tonalidades, não só do EI, e tem a seu dispor em terra as tropas do ditador, forças irregulares iranianas e o Hizbullah.

    Isso mudou o panorama da guerra, embora seja perceptível por ora mais uma estabilização do que uma virada. Ainda assim, é mais do que os ataques liderados pelos EUA fizeram em um ano.

    Washington reagiu, dando mais armas aos fracionados rebeldes sírios e apoiando ataques curdos contra o EI.

    Nada impede o uso pontual de forças especiais, francesas ou dos EUA, mas, para isso ter efeito, é necessário superioridade aérea –o que a presença russa na Síria não possibilita sem coordenação.

    Síria e seus inimigos

    COORDENAÇÃO DE PUTIN

    Uma alternativa ao Ocidente seria trabalhar com um Putin em posição de força, dando cartas na sucessão síria.

    Duas coisas importam a Moscou: que o aliado não acabe humilhado e morto como Muammar Gaddafi e que seu Exército e burocracia não sejam destroçados como foram os de outro ditador assassinado após intervenção ocidental, Saddam Hussein.

    A permanência de Assad no cargo não é um imperativo. Manter algum poder da seita alauita do ditador, contudo, é vital para seus interesses estratégicos e para os do regime xiita do Irã.

    No caso russo, um trunfo sírio poderá abrir o caminho para o fim das sanções europeias contra sua economia cambaleante devido à intervenção de 2014 na Ucrânia. O Conselho Europeu discutirá o tema em dezembro.

    De quebra, com um governo de transição com elementos do regime de Assad, Moscou poderá manter-se ativa no eixo mar Negro-Mediterrâneo oriental e reforçar a aliança com Teerã, que vinha se abrindo aos EUA.

    A questão é: até onde o Ocidente estaria disposto a ir numa negociação com o russo, vilão preferido das democracias lideradas pelos EUA?

    A tragédia jogou em favor de Putin, não só em Paris. Mesmo a derrubada de um Airbus russo sobre o Sinai, inicialmente divulgada como acidental, poderá ser assumida como atentado por Moscou. O que era exposição de fragilidade vira argumento.

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