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    paris sob ataque

    Estado Islâmico se mantém com petróleo, extorsões e sequestros

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    DE SÃO PAULO

    20/11/2015 02h00

    O Estado Islâmico funciona como uma corporação muito bem administrada, que detém o monopólio do petróleo em uma área com mais de 12 campos de exploração, só faz negócios em dinheiro e vive de extorquir seus "clientes".

    Ao contrário da Al Qaeda em seu apogeu, que dependia pesadamente de doações de milionários estrangeiros, o EI é autossuficiente e tem um "portfólio" de atividades muito variado.

    Thaier Al-Sudani - 16.out.2015/Reuters
    Refinaria de Baiji, ao norte de Bagdá, que o Exército iraquiano recuperou em outubro
    Refinaria de Baiji, ao norte de Bagdá, que o Exército iraquiano recuperou em outubro

    O principal negócio da facção é o petróleo. O EI detém 60% da produção de petróleo da Síria e controla cerca de 12 campos de exploração em território sírio e iraquiano.

    Segundo estimativas de traders, analistas e do Departamento do Tesouro dos EUA, o petróleo rende cerca de US$ 2 milhões por dia para a facção terrorista.

    Mas quem compra o petróleo "roubado" pelo Estado Islâmico? Todo mundo, até o governo do ditador Bashar al-Assad, inimigo dos islamistas.

    A população civil na Síria, os curdos que controlam o norte do país, o governo Assad, a oposição, todos dependem do petróleo vendido pelo EI.

    E muita gente transformou isso num grande negócio: compram do EI com deságio e contrabandeiam o combustível barato para a Turquia.

    Em algumas cidades turcas na fronteira com a Síria, moradores usam tubulações de plástico enterradas no solo, originalmente utilizadas para irrigação, para contrabandear o petróleo sírio. Caminhões-tanque vêm de toda a Turquia para comprar combustível barato.

    A polícia turca fazia vista grossa, mas, nos últimos meses, pressionada pelos EUA, começou a fechar o cerco.

    As restrições apenas tornaram os contrabandistas mais criativos. Eles agora atravessam a fronteira a pé, montados em mulas ou cavalos, levando galões de petróleo sírio.

    Em um dos maiores campos sírios sob controle do EI, o de Al-Omar (que foi bombardeado por caças franceses poucos dias antes dos ataques em Paris), há uma fila de mais de 5 quilômetros de caminhões-tanque, segundo reportagem do "Financial Times".

    Esses caminhões compram o petróleo e vendem para contrabandistas ou direto para refinarias.

    Muitas das instalações de refino foram bombardeadas pela coalizão. Então o EI começou a comprar refinarias portáteis da China.

    Mas os EUA descobriram e começaram a bombardeá-las também. Hoje, restam poucas instalações, e muitos sírios "empreendedores" montaram refinarias de fundo de quintal, em que queimam o combustível e usam buracos no chão.

    O diesel resultante é de péssima qualidade, por isso grande parte dos carros na Síria está quebrada. Mas o preço é um terço do petróleo e do diesel "oficiais".

    "A única coisa que existe nessa região é o petróleo, e as pessoas precisam disso para viver", explica o especialista em Síria Joshua Landis, chefe do Centro de Estudos de Oriente Médio da Universidade de Oklahoma e editor do blog SyrianComment.

    Ataques do Estado Islâmico

    Na segunda (16), os EUA anunciaram que bombardearam uma fila de caminhões tanque em Deir Ezzor, na Síria.

    Caças americanos jogaram folhetos avisando os caminhoneiros de que haveria bombardeio e que eles deveriam deixar os veículos. Depois disso, jogaram 24 bombas de 225 quilos, destruindo cem veículos que carregavam petróleo do EI.

    Os americanos relutam em bombardear caminhões, porque os motoristas são civis e pode haver muitos danos colaterais.

    Além disso, não podem simplesmente bombardear todas as instalações de exploração e refino de petróleo controladas pelo EI.

    "Precisamos levar em conta que haverá um período pós-guerra, a guerra vai acabar, e nós não queremos destruir completamente essas instalações, senão não será possível consertá-las", disse em briefing o coronel Steve Warren, porta-voz da operação americana de combate ao EI.

    "O maior desafio é cortar as fontes de financiamento do EI sem prejudicar a enorme população civil que vive sob controle da facção", diz Yezid Sayigh, pesquisador sênior do Carnegie Middle East Center, em Beirute.

    Há cerca de 10 milhões de pessoas vivendo em áreas controladas pelo EI.

    "A maior parte do petróleo produzido nos campos controlados pelo EI na Síria é vendido para outras partes do país, inclusive dominadas pela oposição. Então, interromper o fornecimento afeta serviços essenciais, como hospitais, padarias e transportes, que precisam de diesel para funcionar."

    Restringir a compra do petróleo contrabandeado para o exterior também é muito difícil.

    Vários países impõem sanções contra indivíduos que compram petróleo do EI, mas a Força Tarefa de Ação Financeira (FATF, na sigla em inglês), órgão internacional que combate financiamento ao terrorismo, admite que não é possível determinar de onde veio o petróleo que é apreendido.

    Para completar, o EI só vende com dinheiro em espécie, o que dificulta o rastreamento.

    "Mesmo assim, um fechamento completo da fronteira da Turquia com a Síria é essencial para bloquear o mercado para petróleo e antiguidades contrabandeadas, já que interromper esse comércio não afeta a população local, mas prejudica o EI", diz Sayigh.

    Os turcos vinham relutando em apertar a vigilância na fronteira, porque temem retaliações do EI em seu território e consideram Assad seu maior inimigo. Mas o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, anunciou na terça (17) que os americanos passarão a trabalhar com os turcos para garantir a segurança da fronteira.

    Os bombardeios da coalizão vêm diminuindo a capacidade de exploração e refino do EI. A queda do preço do petróleo, que está abaixo de US$ 40 o barril, é outro golpe à maior fonte de receita da facção.

    O EI tem muitos gastos, porque mantém um Estado: tem que pagar salários de servidores públicos, subsidia pão para a população e precisa usar cada vez mais combustível em suas operações militares.

    Mas o EI tem a vantagem de ter diversificado seus negócios.

    A facção lucra cerca de US$ 12 milhões por mês com "impostos" (eufemismo para extorsão) cobrados nas cidades que domina, segundo estudo de Charles Lister, da Brookings Institution.

    Os caminhões que trafegam no oeste do Iraque, trazendo alimentos da Síria e da Jordânia, precisam pagar uma "taxa alfandegária" que era de US$ 300 por veículo em setembro de 2014.

    Em Raqqa, a facção cobra US$ 20 a cada dois meses de comerciantes, em troca de eletricidade, água e segurança.

    Há também o imposto de renda de pessoa jurídica, retido na fonte: farmácias em Mossul, capital do EI no Iraque, pagam uma taxa de 10% a 35% do valor dos remédios que vendem.

    Na mesma cidade, estudantes de ensino fundamental pagam ao EI US$ 22 por mês, e universitários, US$ 65.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Os agricultores precisam entregar parte da colheita de trigo e cevada ao EI a título de "zakat" (imposto religioso, espécie de dízimo).

    Além disso, muitas vezes os extremistas confiscam máquinas agrícolas e então as alugam para os mesmos agricultores de quem as confiscaram.

    Os cristãos vivendo em cidades dominadas pelo EI pagam a taxa chamada "jyzia" para evitarem ser mortos por não serem muçulmanos.

    O governo americano acredita que o EI levantou pelo menos o equivalente a US$ 500 milhões ao se apoderar de agências de bancos estatais no oeste do Iraque no ano passado.

    Nas agências de bancos privados na região, o EI instalou gerentes e passou a cobrar 5% de todas as retiradas.

    SEQUESTROS

    Outra fonte de receita da facção terrorista são os sequestros, que renderam mais de US$ 40 milhões ao EI no ano passado, segundo a FATF (Força Tarefa de Ação Financeira).

    Os Estados Unidos e o Reino Unido se recusam a pagar resgates. Mas a França, por exemplo, teria pago US$ 18 milhões em abril do ano passado pelo resgate de quatro reféns franceses.

    A facção também sequestra iraquianos e sírios de classe média. A Al Qaeda na Península Arábica faturou cerca de US$ 20 milhões com resgates entre 2013 e 2014, bem menos que o EI.

    CROWDFUNDING

    A facção terrorista também usa as redes sociais para levantar recursos. Membros do EI usam o Twitter para pedir doações por meio da compra de cartões pré-pagos de telefone, cujo número é enviado por Skype.

    Os extremistas também usam programas de fidelidade —segundo a FATF, um clérigo ligado ao grupo usou o Twitter prometendo que, para cada doação de 50 dinares iraquianos, equivalentes a 50 balas de rifle de atirador, o doador receberia o "silver status", e 100 dinares, que compram 8 balas de morteiro, equivalem ao "gold status".

    ANTIGUIDADES

    Militantes do EI também saqueiam antiguidades de museus ou monumentos em cidades que controlam e as vendem no mercado negro. Segundo a Unesco, o EI ocupa mais de 4.500 locais de escavação arqueológica.

    É muito difícil ter estimativas seguras, mas cálculos do governo americano, da Fatfa e de analistas indicam que o EI faturou pelo menos US$ 1,2 bilhão no ano passado, a grande maioria proveniente da venda de petróleo.

    Como comparação, o Taleban chegou a arrecadar US$ 200 milhões por ano no Afeganistão com tráfico de drogas e contrabando de madeira e minerais, no apogeu da facção.

    Contra a Al Qaeda, sanções financeiras eram mais eficientes, porque os doadores muitas vezes usavam o sistema financeiro internacional.

    No EI, só dinheiro vivo circula, normalmente por meio de portadores, e a maioria das transações se dá dentro da Síria e do Iraque.

    "As fontes de receita do EI são profundas e diversificadas. Com exceção de organizações terroristas bancadas por Estados, o EI é provavelmente a facção terrorista com maior poder financeiro que nós já enfrentamos", disse em discurso no fim do ano passado David S. Cohen, subsecretário do Tesouro americano para Inteligência Financeira e Terrorismo.

    FINANCIAMENTO DO ESTADO ISLÂMICO

    Contrabando de petróleo
    O EI assumiu o controle de vários poços na Síria e no Iraque e vende o combustível a baixíssimos preços dentro dos dois países e para a Turquia

    'Impostos'
    Nas cidades dominadas pela facção, como Mossul e Raqqa, a população precisa pagar taxas para ter eletricidade e outros serviços públicos

    'Jizya'
    Cristãos vivendo em cidades dominadas pelo EI pagam a taxa chamada "Jizya", para que não sejam mortos por não serem muçulmanos

    Resgate
    EI sequestra estrangeiros, cidadãos sírios e iraquianos de classe média e pede resgate

    'Dízimo'
    Muitos dos funcionários públicos em áreas dominadas pelo EI ainda recebem do governo e são obrigados a pagar um "dízimo" ao EI

    Contrabando de obras de arte
    Vários museus foram saqueados pelo EI, que vende as obras no mercado negro

    Doações
    Seguidores da forma mais radical do islamismo, o wahabismo, de países como Arábia Saudita e Kuait fazem doações à facção

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